terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Ótica Filosófica


       
Considerando o princípio básico filosófico de Parmênides: “O ser é e não pode não ser; o não-ser não é e não pode ser de modo algum”.

Se filosofar é descobrir o sentido primordial do ser, não se filosofa afastando-se da condição humana; é necessário, ao contrário, aprofundar-se nela (MERLEAU-PONTY apud VON ZUBEN, 2006: 233).


        Aristóteles, no início de sua obra Metafísica, afirma: “Na verdade, foi pela admiração que os homens começaram a filosofar tanto no princípio como agora”.
        A modernidade ocidental se caracteriza, do ponto de vista epistemológico, por ser um momento de descontinuidade em relação à racionalidade então vigente e a estruturação de um novo tipo de racionalidade que definirá de agora em diante os destinos da civilização ocidental: a racionalidade instrumental. Na tradição, o saber é considerado a tematização da inteligibilidade do real e isto constitui para os gregos a realização suprema do ser humano que é um ser para a verdade. Conhecer é antes de tudo uma contemplação, cujo objetivo é tornar possível ao ser humano o situar-se corretamente na totalidade da realidade e abrir-se à sua auto-realização. Este saber tem um fim em si mesmo, justifica-se a partir de si mesmo, e é, portanto, um saber autárquico e, por isto, capaz de conceder uma vida livre, soberana, plena de sentido ao ser humano.
      Para Sócrates, o saber fundamental é o saber a respeito do homem (daí a sua máxima: “conhece-te a ti mesmo”), que se caracteriza por sua vez, por estes três elementos: 1º.) é um conhecimento universalmente válido, contra o que sustentam os sofistas; 2º.) é, antes de tudo, conhecimento moral; e 3º.) é um conhecimento prático, conhecer para agir retamente (VÁSQUEZ, 2007: 237).
    A postura distintiva da modernidade consiste em isolar o espírito, a consciência da totalidade da realidade e contrapô-lo a tudo mais. Este procedimento vai fazer emergir a característica central do saber moderno: a oposição entre sujeito e objeto e o estabelecimento da subjetividade como a instância de determinação do sentido de tudo. Neste horizonte, o objetivo do saber não é mais contemplar os entes em sua inserção no cosmos, mas o conhecimento vai ser interpretado como o ato por meio do qual a subjetividade se impõe sobre o mundo dos objetos. Transforma-se, conseqüentemente, de forma radical a concepção da realidade: não há mais propriamente “entes”, isto é, realidades que possuem sentido em si mesmas, mas o mundo é agora algo a ser construído pelo homem que lhe dá sentido. O que há agora são “objetos”, ou seja, algo para o sujeito, que assim se faz o ponto de referência de tudo. Com isto, se transforma também o sentido do próprio conhecimento que passa a ser considerado instrumento possibilitador da intervenção humana eficaz na natureza, nas pessoas, na sociedade e na história.
   Segundo o Teólogo Márcio Fabri, a objetividade e subjetividade implicam em uma mudança de ponto hermenêutico. Hoje as propensões se voltam para interpretar tudo a partir do sujeito. À luz desta concepção, o benefício da autonomia se torna facilmente direito ao individualismo.
      Para o Teólogo Márcio Fabri, as conquistas tecnológicas partem da verificação inicial de que todas as tecnologias, de um modo ou de outro, têm incidência sobre a vida, ou seja, são de alguma forma biotecnológicas. Entretanto, algumas têm chamado mais a atenção, principalmente por revolucionarem mais globalmente teorias e práticas já estabelecidas. Entre estas, destacam-se as pesquisas com células-tronco, envolvendo o próprio embrião humano pelo interesse na utilização de células-tronco embrionárias (ANJOS, 2006: 201).

    Considerando que o objetivo básico do conhecimento é agora possibilitar o controle sobre o outro, é tarefa fundamental do novo saber fornecer as informações que tornam este controle possível e eficiente. Trata-se aqui de um saber estruturalmente tecnológico, isto é, marcado pelo interesse da dominação do mundo dos objetos. Subjacente a esta nova postura se constitui um novo esquema teórico de interpretação da realidade: tudo é visto no horizonte de sua possível instrumentalização, ou seja, a partir do á priori instrumental, o que implica uma outra hierarquia de valores. O valor-fundamento neste novo contexto é a eficiência, ou seja, o sucesso nas intervenções do homem, o que manifesta a utopia ínsita ao projeto da modernidade: a sociedade moderna “projeta a utopia de uma história criada plenamente pelo homem, na qual os homens poderão reconhecer-se na obra comum realizada, e a sociedade se desvelará na sua verdadeira natureza de auto-instituição. Superadas todas as divisões internas, a humanidade inauguraria a passagem triunfante da pré-história para a verdadeira história humana, onde os homens, satisfeitas todas as suas necessidades e garantida a sua felicidade social, se realizarão plenamente na autonomia de sua liberdade” (OLIVEIRA, 2006: 149-150).
     Este projeto central da modernidade vai estender-se mais recentemente às “ciências da vida”. A biologia foi certamente a ciência que mais progrediu no século XX. A partir de Darwin, eliminou-se da biologia a explicação teleológica para fazer dela uma ciência de acordo com o modelo da física moderna. A biologia contemporânea vai mais longe: a teoria da evolução levanta a pretensão de ser uma teoria global da realidade.
    Não podemos negar que a ciência tem dado à humanidade instrumentos poderosíssimos que podem transformar seu destino. A evolução da biologia e da biotecnologia, em especial da engenharia genética, possibilitou a fecundação in vitro, a clonagem, a modificação das espécies, a decifração do código genético, seguidas de promessas de diagnóstico e de prevenção de doenças e, em sua aliança com a química, revolucionou a indústria farmacêutica com a produção de vacinas e de novas drogas como os antibióticos de última geração, e as pílulas que interferem no processo da reprodução humana. Estes avanços trouxeram em contrapartida, novas e graves questões para a filosofia, para a ética, para a teologia, para a antropologia, para a política, para a psicologia e para o direito. Enfim, para todos os campos dos saberes que, como a ciência, buscam o conhecimento mais adequado e completo do homem capaz de lhe conferir sentido à existência e contribuir para sua felicidade e plena realização (SANTOS, 2006: 139).
    Essas questões, que despontam em nossos tempos, são agravadas ainda mais pela incerteza a respeito dos efeitos das novas tecnologias altamente eficientes, como é o caso da microeletrônica e das biotecnologias que parecem ameaçar a identidade do mundo por meio das novas manipulações. Por meio da descoberta da estruturação interna dos organismos, da identificação e manipulação dos genes, da técnica da transferência e recombinação do patrimônio genético e, portanto, da possibilidade de se produzir em laboratório combinações e variações dos mais diversos seres com grande repercussão, sobretudo na agricultura, na economia e na medicina, tudo isto vinculado a negócios financeiros gigantescos como o patenteamento de genes e a produção de órgãos para transplantes. Por estas razões, algumas destas tecnologias são recusadas pelos movimentos sociais no contexto de um processo de politização da crítica à técnica a partir dos anos 70. Esta crítica, não significa um repúdio à técnica enquanto tal, mas aponta para a necessidade de sua condução consciente no horizonte de fins que mereçam ser desejados.
    Seria indispensável colocar as biotecnologias também no contexto do crescimento da violência no mundo, Ciência e tecnologia trouxeram maior potencial de produção de bens, mas também mais eficiência na destruição. Conjugada com o movimento de concentração de poder, a violência se torna institucionalizada, e cresce em espiral, tomando forma de corrupção, lógica de exclusão, redundando em delinqüência e terrorismo. Isto revela o pouco valor que se dá à vida humana e à vida de modo geral.

   O controle do comportamento humano, por meio de agentes químicos, provocam o controle de processos psíquicos. A possibilidade de interferência nos processos químicos, que são responsáveis pelo envelhecimento orgânico, bem como a manipulação tecnológica dos processos genéticos, cujos impactos mais graves aparecem quando tudo isto se converte em automanipulação do ser humano, como as experiências com embrião, efetivam o sonho da planificação e da produção da vida humana em laboratório. O ser humano está em condições de possuir hoje a impressão de ser o sujeito de um agir individual e coletivo que tem capacidades para sujeitar toda a natureza aos fins por ele instituídos.
  Nos contextos atuais societários não se descarta a possibilidade de uma guerra bioquímica e bacteriológica e na avaliação da opinião pública de nossas sociedades passam para o primeiro plano os geneticistas, os biólogos moleculares e celulares, os biofísicos, etc. É por esta razão que se afirma estarmos vivendo o “século da biotecnologia” em analogia com a “revolução industrial”.  Navarro fala de uma “revolução bioindustrial” em que “os processos da genética e da enzimologia permitem dispor de bisturis moleculares para re-programar os micróbios e transformá-los em escravos biológicos (OLIVEIRA, 2006: 251).
   A filosofia, desde seu início, considerou como sua primeira tarefa a explicação da totalidade do ser e esta explicação dá um passo fundamental, a partir de sua consideração na ótica das modalidades (necessário, contingente, possível, impossível), o que nos leva à pergunta: deve-se entender a totalidade dos entes, a totalidade do ser como contingente? Ora se tudo fosse contingente ter-se-ia que aceitar a possibilidade do nada absoluto, o que implica a tese de que os entes poderiam ou tivessem podido passar para o ser a partir do nada o que é um absurdo, pois do nada absolutamente nada sai ou entra no espaço do ser. Entretanto, já que a tese de que tudo é contingente implica uma conseqüência absoluta, conclui-se que tudo não é contingente, portanto, que há uma dimensão absolutamente necessária. Numa palavra, a totalidade do ser consiste numa dimensão absolutamente necessária e numa dimensão contingente e sendo os contingentes incapazes de existir por força própria, isto se deve a um ato da dimensão absolutamente necessária, que na tradição se chamou de criação.
   O espírito humano emerge, na posição aqui defendida, como um modo de realização que traz à manifestação a estruturação racional contida na natureza apenas implicitamente. O ponto central aqui é que os campos da totalidade do ser, natureza e espírito, aparentemente tão distintos, são portadores de uma finidade estrutural, o que se explica pelo fato de a dimensão absolutamente necessária ser princípio tanto da natureza como de espírito.
   Esta ontologia abre o espaço para uma nova postura ética, que para diferenciar da postura moderna, poderíamos chamá-la de ontológica, cujo imperativo fundamental é: respeita cada ser em seu grau próprio de ser. A grandeza ontológica de um ente se mede pela abrangência de sua estrutura.

     Por esta razão, tratar o ser humano como um simples meio e não como fim absoluto em si mesmo significa uma degradação incompatível com sua estruturalidade ontológica. Do ponto de vista ético isto implica que certamente os desenvolvimentos científico-tecnológicos podem ser de grande benefício para a humanidade se fazem no reconhecimento da dignidade próprio do ser humano e no respeito universal aos direitos daí decorrentes (OLIVEIRA, 2006: 254-255).



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