Considerando o princípio básico filosófico de Parmênides: “O ser é e não pode não ser; o não-ser não é e não pode ser de modo algum”.
Se filosofar é descobrir o
sentido primordial do ser, não se
filosofa afastando-se da condição humana; é necessário, ao contrário,
aprofundar-se nela (MERLEAU-PONTY apud VON ZUBEN, 2006: 233).
Aristóteles, no início de sua obra Metafísica, afirma: “Na verdade, foi
pela admiração que os homens começaram a filosofar tanto no princípio como
agora”.
A modernidade ocidental se caracteriza, do ponto de vista epistemológico,
por ser um momento de descontinuidade em relação à racionalidade então vigente
e a estruturação de um novo tipo de racionalidade que definirá de agora em
diante os destinos da civilização ocidental: a racionalidade instrumental. Na
tradição, o saber é considerado a tematização da inteligibilidade do real e
isto constitui para os gregos a realização suprema do ser humano que é um ser
para a verdade. Conhecer é antes de tudo uma contemplação, cujo objetivo é
tornar possível ao ser humano o situar-se corretamente na totalidade da
realidade e abrir-se à sua auto-realização. Este saber tem um fim em si mesmo,
justifica-se a partir de si mesmo, e é, portanto, um saber autárquico e, por
isto, capaz de conceder uma vida livre, soberana, plena de sentido ao ser
humano.
Para Sócrates, o saber fundamental é o saber a respeito do homem (daí a
sua máxima: “conhece-te a ti mesmo”), que se caracteriza por sua vez, por estes
três elementos: 1º.) é um conhecimento universalmente válido, contra o que
sustentam os sofistas; 2º.) é, antes de tudo, conhecimento moral; e 3º.) é um
conhecimento prático, conhecer para agir retamente (VÁSQUEZ, 2007: 237).
A postura distintiva da modernidade consiste em isolar o espírito, a
consciência da totalidade da realidade e contrapô-lo a tudo mais. Este
procedimento vai fazer emergir a característica central do saber moderno: a
oposição entre sujeito e objeto e o estabelecimento da subjetividade como a
instância de determinação do sentido de tudo. Neste horizonte, o objetivo do
saber não é mais contemplar os entes em sua inserção no cosmos, mas o
conhecimento vai ser interpretado como o ato por meio do qual a subjetividade
se impõe sobre o mundo dos objetos. Transforma-se, conseqüentemente, de forma
radical a concepção da realidade: não há mais propriamente “entes”, isto é,
realidades que possuem sentido em si mesmas, mas o mundo é agora algo a ser
construído pelo homem que lhe dá sentido. O que há agora são “objetos”, ou
seja, algo para o sujeito, que assim se faz o ponto de referência de tudo. Com
isto, se transforma também o sentido do próprio conhecimento que passa a ser
considerado instrumento possibilitador da intervenção humana eficaz na
natureza, nas pessoas, na sociedade e na história.
Segundo o Teólogo Márcio Fabri, a objetividade e subjetividade implicam
em uma mudança de ponto hermenêutico. Hoje as propensões se voltam para
interpretar tudo a partir do sujeito. À luz desta concepção, o benefício da
autonomia se torna facilmente direito ao individualismo.
Para o Teólogo Márcio Fabri, as conquistas tecnológicas partem da
verificação inicial de que todas as tecnologias, de um modo ou de outro, têm
incidência sobre a vida, ou seja, são de alguma forma biotecnológicas.
Entretanto, algumas têm chamado mais a atenção, principalmente por
revolucionarem mais globalmente teorias e práticas já estabelecidas. Entre
estas, destacam-se as pesquisas com células-tronco, envolvendo o próprio
embrião humano pelo interesse na utilização de células-tronco embrionárias
(ANJOS, 2006: 201).
Considerando que o objetivo básico do conhecimento é agora possibilitar
o controle sobre o outro, é tarefa fundamental do novo saber fornecer as
informações que tornam este controle possível e eficiente. Trata-se aqui de um
saber estruturalmente tecnológico, isto é, marcado pelo interesse da dominação
do mundo dos objetos. Subjacente a esta nova postura se constitui um novo
esquema teórico de interpretação da realidade: tudo é visto no horizonte de sua
possível instrumentalização, ou seja, a partir do á priori instrumental, o que implica uma outra hierarquia de
valores. O valor-fundamento neste novo contexto é a eficiência, ou seja, o sucesso
nas intervenções do homem, o que manifesta a utopia ínsita ao projeto da
modernidade: a sociedade moderna “projeta
a utopia de uma história criada plenamente pelo homem, na qual os homens
poderão reconhecer-se na obra comum realizada, e a sociedade se desvelará na
sua verdadeira natureza de auto-instituição. Superadas todas as divisões
internas, a humanidade inauguraria a passagem triunfante da pré-história para a
verdadeira história humana, onde os homens, satisfeitas todas as suas
necessidades e garantida a sua felicidade social, se realizarão plenamente na
autonomia de sua liberdade” (OLIVEIRA, 2006: 149-150).
Este projeto central da modernidade vai estender-se mais recentemente às
“ciências da vida”. A biologia foi certamente a ciência que mais progrediu no
século XX. A partir de Darwin, eliminou-se da biologia a explicação teleológica
para fazer dela uma ciência de acordo com o modelo da física moderna. A
biologia contemporânea vai mais longe: a teoria da evolução levanta a pretensão
de ser uma teoria global da realidade.
Não podemos negar que a ciência tem dado à humanidade instrumentos
poderosíssimos que podem transformar seu destino. A evolução da biologia e da
biotecnologia, em especial da engenharia genética, possibilitou a fecundação in vitro, a clonagem, a modificação das
espécies, a decifração do código genético, seguidas de promessas de diagnóstico
e de prevenção de doenças e, em sua aliança com a química, revolucionou a
indústria farmacêutica com a produção de vacinas e de novas drogas como os
antibióticos de última geração, e as pílulas que interferem no processo da
reprodução humana. Estes avanços trouxeram em contrapartida, novas e graves
questões para a filosofia, para a ética, para a teologia, para a antropologia,
para a política, para a psicologia e para o direito. Enfim, para todos os
campos dos saberes que, como a ciência, buscam o conhecimento mais adequado e
completo do homem capaz de lhe conferir sentido à existência e contribuir para
sua felicidade e plena realização (SANTOS, 2006: 139).
Essas questões, que despontam em nossos tempos, são agravadas ainda mais
pela incerteza a respeito dos efeitos das novas tecnologias altamente
eficientes, como é o caso da microeletrônica e das biotecnologias que parecem
ameaçar a identidade do mundo por meio das novas manipulações. Por meio da
descoberta da estruturação interna dos organismos, da identificação e
manipulação dos genes, da técnica da transferência e recombinação do patrimônio
genético e, portanto, da possibilidade de se produzir em laboratório
combinações e variações dos mais diversos seres com grande repercussão,
sobretudo na agricultura, na economia e na medicina, tudo isto vinculado a
negócios financeiros gigantescos como o patenteamento de genes e a produção de
órgãos para transplantes. Por estas razões, algumas destas tecnologias são
recusadas pelos movimentos sociais no contexto de um processo de politização da
crítica à técnica a partir dos anos 70. Esta
crítica, não significa um repúdio à técnica enquanto tal, mas aponta para a
necessidade de sua condução consciente no horizonte de fins que mereçam ser
desejados.
Seria indispensável colocar as biotecnologias também no contexto do
crescimento da violência no mundo, Ciência e tecnologia trouxeram maior
potencial de produção de bens, mas também mais eficiência na destruição.
Conjugada com o movimento de concentração de poder, a violência se torna
institucionalizada, e cresce em espiral, tomando forma de corrupção, lógica de
exclusão, redundando em delinqüência e terrorismo. Isto revela o pouco valor
que se dá à vida humana e à vida de modo geral.
O controle do comportamento humano, por meio de agentes químicos,
provocam o controle de processos psíquicos. A possibilidade de interferência
nos processos químicos, que são responsáveis pelo envelhecimento orgânico, bem
como a manipulação tecnológica dos processos genéticos, cujos impactos mais
graves aparecem quando tudo isto se converte em automanipulação do ser humano,
como as experiências com embrião, efetivam o sonho da planificação e da
produção da vida humana em
laboratório. O ser humano está em condições de possuir hoje a
impressão de ser o sujeito de um agir individual e coletivo que tem capacidades
para sujeitar toda a natureza aos fins por ele instituídos.
Nos contextos atuais societários não se descarta a possibilidade de uma
guerra bioquímica e bacteriológica e na avaliação da opinião pública de nossas
sociedades passam para o primeiro plano os geneticistas, os biólogos moleculares
e celulares, os biofísicos, etc. É por esta razão que se afirma estarmos
vivendo o “século da biotecnologia” em analogia com a “revolução industrial”. Navarro fala de uma “revolução bioindustrial”
em que “os processos da genética e da
enzimologia permitem dispor de bisturis moleculares para re-programar os
micróbios e transformá-los em escravos biológicos” (OLIVEIRA, 2006: 251).
A filosofia, desde seu início, considerou como sua primeira tarefa a
explicação da totalidade do ser e esta explicação dá um passo fundamental, a
partir de sua consideração na ótica das modalidades (necessário, contingente,
possível, impossível), o que nos leva à pergunta: deve-se entender a totalidade
dos entes, a totalidade do ser como contingente? Ora se tudo fosse contingente
ter-se-ia que aceitar a possibilidade do nada absoluto, o que implica a tese de
que os entes poderiam ou tivessem podido passar para o ser a partir do nada o
que é um absurdo, pois do nada absolutamente nada sai ou entra no espaço do
ser. Entretanto, já que a tese de que tudo é contingente implica uma
conseqüência absoluta, conclui-se que tudo não é contingente, portanto, que há
uma dimensão absolutamente necessária. Numa palavra, a totalidade do ser
consiste numa dimensão absolutamente necessária e numa dimensão contingente e
sendo os contingentes incapazes de existir por força própria, isto se deve a um
ato da dimensão absolutamente necessária, que na tradição se chamou de criação.
O espírito humano emerge, na posição aqui defendida, como um modo de
realização que traz à manifestação a estruturação racional contida na natureza
apenas implicitamente. O ponto central aqui é que os campos da totalidade do
ser, natureza e espírito, aparentemente tão distintos, são portadores de uma
finidade estrutural, o que se explica pelo fato de a dimensão absolutamente
necessária ser princípio tanto da natureza como de espírito.
Esta ontologia abre o espaço para uma nova postura ética, que para
diferenciar da postura moderna, poderíamos chamá-la de ontológica, cujo
imperativo fundamental é: respeita cada ser em seu grau próprio de ser. A
grandeza ontológica de um ente se mede pela abrangência de sua estrutura.
Por esta razão, tratar o ser humano como um simples meio e não como fim
absoluto em si mesmo significa uma degradação incompatível com sua
estruturalidade ontológica. Do ponto de vista ético isto implica que certamente
os desenvolvimentos científico-tecnológicos podem ser de grande benefício para
a humanidade se fazem no reconhecimento da dignidade próprio do ser humano e no
respeito universal aos direitos daí decorrentes (OLIVEIRA, 2006: 254-255).

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