Uma sondagem das práticas da opinião pública
Com as desordens das práticas recorre-se através do apelo à opinião pública e à sociedade, onde a opinião pública torna-se rainha, comanda essas decisões contraditórias e o empirismo dos políticos encontra sua opinião sobre tal justificação, pois as decisões políticas devem seguir as expectativas da opinião pública e que o direito deve conformar-se à evolução dos costumes. E, que a referência essencial não está do lado do poder político, mas do lado da sociedade e de suas “evoluções”; o poder assume por missão obedecer-lhes.

Entretanto, aos “franceses” em geral,
vê-se bem que o apelo à opinião pública é uma maneira de esconder a si mesmo
sua incapacidade de decidir. Todavia na aparência nada que não seja aceitável,
quando se declara, que a descriminalização da droga é perigosa, quando o
ministro Bernard Kouchner um político francês, ministro dos Negócios Estrangeiros francês entre 2007 e 2010, acrescenta que ele mesmo se opõe, e conclui que de
toda maneira a opinião pública não compreenderia tal medida. Conhece-se também
que nada é mais manipulável, evolutivo e difícil de captar do que a opinião
pública. Esse conceito é o fruto seja de aproximação não verificada, tem-se por
certo adivinhar intuitivamente a natureza das opiniões dessa opinião, seja de
construções operadas por sondagens, portanto por meio de instrumentos sem dúvida
afinados, mas nunca de todo confiáveis, e que operam uma mediação da dita
opinião que de modo algum é tão neutra quanto se quer sustentar. Porém, análises muito sérias mostraram a que
ponto essa opinião é capaz de mudar de opinião justamente quando é persuadida
de que as próprias elites evoluíram, e é efetivamente o que operam as
sondagens. A renúncia política imediata esconde mal que se remete assim a uma
submissão futura à opinião, elevada ao nível de soberania popular.
Trata-se apenas de uma caricatura de
democracia que erige em julgamento fundado uma sensação passageira, não
informada das consequências ou do alcance da pergunta: identifica a vontade
popular com a expressão de impressões momentâneas e descontínuas, conforme os
humores e os sentimentos do instante. Entende-se por vontade popular muito
exatamente o inverso do que Rousseau designava sob o nome de “vontade geral”,
que suponha pôr de lado as pulsões imediatas e as vontades individuais
particulares. Tais impressões transitórias podem tornar-se objeto de
manipulação e sempre refletir o que os grupos de pressão ou, os próprios
poderes políticos desejam.
Numa hipótese construída, considerada
artificial, a opinião não pode fornecer uma base política séria. Exemplificando
temos que no discurso perante o Comitê Consultivo Nacional de Ética de 28 de
novembro de 2000 o primeiro-ministro Lionel Jospin, depois de ter descartado em um primeiro momento tal eventualidade,
propunha que a pesquisa científica se estendesse às células-tronco embrionárias
de embriões obtidos por clonagem (VALADIER (b), 2003: 29). Apresentava duas
justificações para sua nova posição: uma negativa, formulada de modo
interrogativo: Motivos que dependem de princípios filosóficos, espirituais ou
religiosos deveriam levar-nos a privar a sociedade e os doentes dos avanços
terapêuticos? A resposta é óbvia, porque
quem recusaria aos doentes os avanços terapêuticos? A formulação do problema,
na aparência evidente e articulada com base na reafirmação dos princípios, leva
consigo sua solução: na realidade, implica a desconsideração dos princípios
filosóficos, espirituais ou religiosos evocados, para logo anulá-los.
A segunda justificação, positiva, traz
maciçamente para argumentação desvalorizante o apoio da sociedade francesa
inteira; prossegue o primeiro-ministro: estou convencido de que a sociedade
francesa aspira a que a consideração dos valores fundamentais enquadre, mas não
torne impossíveis, o avanço dos conhecimentos científicos e suas aplicações
potenciais no domínio da saúde humana. Mantendo assim a aparência do apelo aos
princípios, mas sua argumentação os esvazia de todo alcance concreto.
Através dessas reflexões tem-se uma
consideração suplementar, revelando o narcisismo que existe em tal tendência:
deseja-se encontrar, e efetivamente se encontra os próprios desejos, afastando
tudo o que perturba as expectativas. E se a opinião está inadequada declara-se
que deve ser educada, ou que não está madura, ou que seu aviso, de repente, não
deve ser considerado. O que tanto se exaltou encontra-se assim desconsiderado.
Assim, o apelo à opinião revela-se pelo que é: seja uma renúncia ao político ou
um álibi para não ousar medidas impopulares, em suma, um pretexto para
demagogia, seja um alinhamento com grupos de pressão, laboratórios
farmacêuticos ou equipes de pesquisa em ciências, para encobrir uma política
subtraída à discussão sob o manto dos avanços científicos e terapêuticos,
evidentemente acima de qualquer suspeita (VALADIER (b), 2003: 31).
A desordem dos pensamentos e das
práticas em matéria ética e moral vêm da pressão dos meios científicos no
domínio da genética e da bioética que avança sob o manto de saúde pública, de
luta contra doenças graves, de bem-estar social e de cuidado pelo progresso dos
conhecimentos, e, mais globalmente, de domínio das condições sociais ou
simplesmente de defesa dos interesses científicos nacionais.
Na realidade a desordem de pensamentos
é uma desordem de referências. A desordem em excesso dá impressão de que se
está dominado por injunções contraditórias, entre as quais se hesita por ser
difícil decidir ou então consagram-se orientações cada vez mais imperativas da
nova ordem libertária. Esse excesso no nível da ética só é inquietante porque
consagra um vazio ou uma fenda da instância moral que devia ser reguladora.
Desse vazio provêm as dúvidas que ferem a referência cardeal ao valor da pessoa
humana e ao sentido a atribuir à sua dignidade.
Pode-se assim afirmar que a desordem
das práticas e dos pensamentos encontra sua fonte em uma vertigem concernente
ao sentido do homem e do lugar a conceder-lhe.
A consequência das desordens do
pensamento que engendram a desordem das práticas é a de um enfraquecimento do
desejo e dos desejos. Esse enfraquecimento resulta no relativismo e no
niilismo, que são também suas fontes e, tal é a inquietação mais forte, isso
pode superar sentido do homem, constitutivo de nossas sociedades democráticas.
Niilismo porque sob a exaltação do valor mais alto da pessoa em sua dignidade e
muitas vezes a vontade de morte, o desprezo concreto pela pessoa que aparece, e
o afastamento dos mais fracos de nossa comum humanidade. Por isso a vigilância
intelectual impõe-se, tanto mais difícil quanto o conformismo libertário abafa
o pensamento livre, impõe o político e eticamente correto e consegue banir os
julgamentos divergentes. Nesse contexto de sufocação mole e insidiosa, as
tradições de pensamentos, tanto filosóficas como religiosas, encontram
dificilmente suas vias e suas vozes, quando é essencial que não abdiquem diante
do conformismo.
Nossas reflexões terão algum mérito se puderem aparecer como
uma conexão dessa Palavra que não cessa de solicitar aos homens que não
abdiquem de sua humanidade, seja qual for a dificuldade em definir o que têm de
próprio e desejem antes o que eleva do que o que rebaixa: mostrar-se digno da
humanidade em si, e digno do Deus que nela não cessa de arrastar para o alto,
contra as sereias da vontade do nada.
Ulisses amarrado para escapar das sereias
FONTE: Ilustração: https://pt.mediamass.net/famosos/bernard-kouchner


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