segunda-feira, 23 de abril de 2018

MEDITAÇÃO E CONTEMPLAÇÃO NA SAGRADA ESCRITURA.


Meditação

       
A palavra “meditação”, tomada do latim (meditatio), na sua forma verbal meditari é apresentada com o grego médomai, que significa “pensar em algo”, “refletir”, “cuidar de algo”. Na linguagem bíblica, meditari é também a tradução do grego meletân, usado com freqüência pela LXX; significa exercitar  “assiduamente” e “estudar”. A Bíblia hebraica usa a palavra hagga no sentido de murmurar, suspirar, dizer a si mesmo algo meio alto. Meditação contém, portanto, desde a perspectiva histórica, os elementos da reflexão, exercício de auscultar e repetição contínua[1]. Une o elemento acústico com o espiritual. A reflexão e a recordação faladas voltam-se para a Lei e as ações salvíficas do Senhor para com o seu povo.
        O Novo Testamento usa a palavra meditari só muito raramente. E. von Severus[2] conclui daí que os apóstolos quiseram conscientemente distanciar-se da atitude de piedade exteriorista dos fariseus. Para o centro da meditação entra a figura de Jesus, a sua referência às promessas messiânicas dos profetas do AT, a elaboração do paradoxo da cruz, os mistérios salvíficos da morte, ressurreição e ascensão. O conhecimento do mistério de Jesus Cristo  nutre-se da luz interna do encontro com o Ressuscitado, que patenteia aos discípulos o sentido da Sagrada Escritura (cf. Lc 14,27), promete-lhes e envia-lhes o Espírito Santo, que os introduz em toda verdade (cf. Jo 14,26).
       Pela meditação podemos contemplar a imagem de Deus nos poderes naturais da alma (memória, intelecto e vontade). A meditação (meditatio) é o recolhimento da alma em si mesma e que tem por objetivo a imagem de Deus.
      Para  Santa Teresa, a meditação discorre muito com o intelecto, da seguinte maneira: começamos a pensar na graça que Deus nos concedeu em nos dar o seu único Filho, e não paramos aí, avançando para os mistérios de toda a Sua gloriosa vida.[3]
        A meditação mobiliza o pensamento, a imaginação, a emoção e o desejo. Esta dinamização é necessária para aprofundar as convicções da fé, suscitar a conversão do coração e fortalecer a vontade de seguir a Cristo.[4]
        Esta é a grande diferença entre meditação e o estudo, porque o fim do estudo é a ciência, e o da meditação é o amor a Deus e a prática das virtudes.
        A meditação da paixão não pode limitar-se a uma reconstrução objetiva do fato, embora interiorizada como procuramos fazer até aqui.
        A leitura busca a doçura inefável da vida bem aventurada, a meditação encontra-a, a oração pede-a, a contemplação saboreia-a. Trata-se das palavras do próprio Senhor: “Procurai e achareis, batei e se vos abrirá” (Mt 7, 7). Procurai e buscai lendo, encontrareis meditando; batei orando, entrareis contemplando.
        Na psicologia de Jung[5], a palavra “meditação” ou “meditatio” é usada quando ocorre um diálogo interior com alguém invisível que tanto pode ser Deus, quando invocado, como a própria pessoa. Não se refere a uma simples reflexão, mas a um diálogo interior e portanto uma relação viva com a voz do “outro” que  responde,  isto é,  com  o  inconsciente. Meditar significa, portanto, que através de um diálogo com Deus a pessoa se espiritualiza, volatiliza e se sublima cada vez mais.

 Contemplação


O caminho espiritual da contemplação e da união com Deus passa pelo ocupar-se com os pensamentos e as paixões. Pelo dom do Espírito Santo, o homem, sua fé, chega a contemplar e a saborear o mistério do plano divino.
        A contemplação é o olhar de fé, fixado em Jesus. “Eu olho para Ele e Ele olha para mim”[6], dizia, no tempo de seu santo pároco, o camponês de Ars em oração diante do sacrário. Esta atenção a Ele é a renúncia ao eu. Seu olhar purifica o coração. A luz do olhar de Jesus ilumina os olhos do nosso coração; ensina-nos a ver tudo à luz da sua verdade e da sua compaixão para com todos os homens. A contemplação põe também o seu olhar sobre os mistérios da vida de Cristo.[7]
        Para Jung, a contemplação cristã procura, por exemplo, nos Exercitia Spiritualia de Inácio de Loyola, captar com todos os sentidos do corpo a forma sagrada, o olhar do contemplador pode penetrar as profundezas do mistério da alma, onde enxerga o que antes não podia ser visto, isto é, aquilo que se achava mergulhado num estado de inconsciência.
        A contemplação mística se baseia, de um lado, no fato de que Deus pode agir diretamente na alma e, de outro, na possibilidade de que a alma realize operação simples de tipo intuitivo-afetivo. Todos os autores místicos admitem dois níveis de atividade da alma: um nível comum, onde se efetuam as operações do conhecimento  racional e discursivo, e um nível superior, em que Deus se apresenta através de modo simples de conhecimento e de adesão. O modo de conhecer estes dois níveis e os nomes que lhes são dados difere muitíssimo; entretanto, esta diversidade não impede acordo substancial.
        A presença de Deus na alma é presença viva e ativa. Deus infunde continuamente nela as virtudes teologais da fé e da esperança e segundo as próprias palavras de Escritura, “o amor de Deus foi difundido em nossos corações por meio do Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). O dom da contemplação consiste, pois, essencialmente no fato de que a alma toma consciência de que Deus está presente e age sobrenaturalmente nela. Os modos e os graus desta tomada de consciência são múltiplos. Normalmente progride no sentido deinteriorização cada vez mais profunda. Empregando o símbolo utilizado por Santa Teresa[8], o castelo interior contém múltiplas estâncias; na estância central encontra-se Deus.
São João da Cruz fala da contemplação tenebrosa, fonte de purificação completa. O que vale para a contemplação mística vale também – com menor intensidade – para a simples oração contemplativa.
 Toda atividade contemplativa nos coloca na presença de Deus, que é Deus Santo. Como Pedro na presença de Jesus tomou consciência de que era pecador (cf. Lc 5,8), assim quem contempla, colocado na presença do Deus Santo, adquire consciência da distância infinita que o separa de Deus. Desperta nele o desejo de se converter e de chegar à santidade. Então, não se trata mais de exigência religiosa de imitar a santidade de Deus. [9]
        O conhecimento do mistério de Jesus Cristo nutre-se da luz interna do encontro com o Ressuscitado, que patenteia aos discípulos o sentido da Sagrada Escritura (cf. Lc 14,27), promete-lhes e envia-lhes o Espírito Santo, que os  introduz  em  toda  verdade  (cf. Jo 14,16).                                                                                                                                          
       Portanto, a meditação abre-se assim para a contemplação e nela se consuma. A visão tida na contemplação é dom da graça do Espírito de Deus, que tudo sonda, também as profundezas de Deus (cf. 1 Cor 2,10), ora em nossos corações (cf. Rm 8,26) e capacita-nos para o amor. Do amor nasce àquela familiaridade e confiança de coração, à qual o Senhor se revela (cf. Rm 14,21).
     Em Paulo e João, a comunidade cristã das origens encontra os seus mestres da contemplação na escola única de um só Senhor, cuja vida, paixão e glorificação como tema transcendente de meditação e contemplação cristã jamais se pode esgotar.





[1] Cf. EICHER, Peter. Meditação/Contemplação. In: Dicionário de Conceitos Fundamentais de Teologia.  São Paulo: Paulus, 1993, p.535.
[2] Cf. Ib.p.535.

[3] Cf.  Revista Innerlilk Leven. Edição do Centro de Estudos Carmelitanos, Bélgica, n.32-69,  p.96, [nov/dez] 1978.
[4] Cf. TRESE, Leo J. A fé explicada. São Paulo: Quadrante , 1999, p.452.
[5] Cf. JUNG, C. Gustav. Psicologia e Alquimia, v.XII, 4ª Edição.  Petrópolis: Vozes, 1991, p.286. 
[6] TRESE, Leo J. A fé explicada. São Paulo: Quadrante , 1999, p.452.
[7] Cf. Catecismo da Igreja Católica, n.2715, 9ª Edição. São Paulo, Loyola, 1999, p.696.
[8] Cf. FIORES, Stefano de e Goffi Tullo. Contemplação. In: Dicionário de Espiritualidade.  São Paulo: Paulus, 1993, p.187.
[9] Cf. Ib. p.191.


FONTE: Ilustração: https://www.google.com.br/search?tbm=isch&sa=1&ei=IE-UWsLsBsvI5gLKg7_gCA&q=Imagens+sobre+a+Medita%C3%A7%C3%A3o+&oq=Imagens+sobre+a+Medita%C3%A7%C3%A3o+&gs_l=psy-ab.12...84389.91713.0.93943.16.11.0.0.0.0.661.2582.2-1j3j0j2.6.0....0...1c.1.64.psy-ab..12.1.650...0i30k1.0.Hk-Xdti5ccA#imgrc=_KUJ9NvBjhahhM:

FONTE: Ilustração: https://www.google.com.br/search?q=Imagens+sobre+a+Contempla%C3%A7%C3%A3o&tbm=isch&source=iu&ictx=1&fir=59QYzk6eWB7omM%253A%252CUdDIjjs3lrI12M%252C_&usg=__kvJkXp6ikTiHfKJKekC21WuuU8E%3D&sa=X&ved=0ahUKEwjhu-bUm8TZAhUnw1kKHaT_D2EQ9QEIPzAL#imgrc=D4ojzyGt4W7thM:


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