terça-feira, 13 de março de 2018

O confronto entre o Direito Penal e a Bioética postas pela sociedade pós-moderna

       

Segundo Maria Auxiliadora Minahim (2005: 42), a preocupação, com a regulação dos conflitos decorrentes do uso da biotecnologia tem conduzido a questionamentos que levam ao chamamento do Direito como recurso capaz de dar efetividade às diretrizes traçadas pela Bioética. Surge, então, o biodireito, que deve constituir em espaço de interação interdisciplinar e não em mais um ramo do ordenamento jurídico.
      Defende, então, a autora, que é necessário a intervenção do legislador, ordenando condutas e definindo limites que não podem ser deduzidos das vagas formulações da bioética e que não podem ser deixados ao arbítrio de pesquisadores e profissionais de saúde. Com efeito, os novos fatos criados pela biotecnologia devem ter ingresso no direito  como instância capaz de concretizar o mínimo ético desejado. Porém, adverte a autora, o direito e, em especial, o direito penal não devem ser usados para coagir as pessoas em razão de sua posição moral, mas, por outro lado, não se pode relutar a estreita ligação entre o direito e a moral, “relação que pode ser contestada quando se considera que as máximas morais geram os costumes, os quais, por sua vez, servem como fonte material do legislador” (MINAHIM, 2005:  44-45).
       Neste aspecto, demonstra a autora, há ainda um vazio legislativo no direito brasileiro e identifica, pelo menos, três causas que contribuem para a defasagem entre o fato e a norma na área de Biotecnologia: as incertezas e a provisoriedade dos achados científicos, assim como a fluidez da ética contemporânea e a pluralidade de expectativas dos diversos segmentos sociais.
       Por outro lado, o direito penal é convocado para emprestar sua adesão e coercitividade à tutela de bens e interesses que se deseja preservar, às lesões e ameaças produzidas pela biotecnologia, em razão da importância destes bens e da gravidade dos ataques. Adverte a autora que o ineditismo das situações e a velocidade com que as inovações ocorrem e se diversificam, tem surpreendido o Direito Penal, provocando desestabilização no seu arsenal teórico tradicional.
     Demonstra a autora que o direito penal é confrontado não apenas com as questões postas pela Bioética, mas de forma geral, com o problema relativo ao oferecimento ou não de tutela a outras situações postas pela sociedade pós-moderna, de forma que o Direito Penal acaba por vêr-se no dilema de manter-se fiel ao paradigma do Iluminismo ou expandir-se e reformular-se para fazer face às ameaças da sociedade pós-industrial (MINAHIM, 2005: 48-49).
    No que tange ao direito penal e ao papel que pode desempenhar em face dos problemas suscitados pela sociedade pós-industrial, convém citar o apanhado realizado por Auxiliadora Minahim, que aponta que os autores se agrupam basicamente, em três diferentes posições: alguns defendem a expansão e realinhamento da dogmática, conservando-se certos princípios garantísticos; outros entendem pela preservação das garantias clássicas e, portanto, pelo fechamento do direito penal em um núcleo básico; outros ainda, pela flexibilização e renúncia dos princípios da idade moderna que não podem subsistir na pós-modernidade, dotando-se, desta forma, o direito penal de instrumentos para proteção das futuras gerações (MINAHIM, 2005: 52).
    Em relação ao artigo 24, que faz parte do Capítulo VIII – Dos Crimes e das Penas, da Lei 11.105 de 2005, que dispõe sobre o crime de utilizar embriões humanos em desacordo com o que dispõe o artigo 5º dessa Lei, parece que o bem jurídico tutelado é a vida. Nesse sentido, posiciona-se Maria Auxiliadora Minahim, apontando que ultrapassado o prazo de três anos apontado no inciso II do artigo 5º da Lei, os embriões seriam “normativamente” inviáveis. Nesse aspecto, a autora aponta a antinomia entre a permissão levada a efeito no artigo 5º da Lei e a manutenção do crime de aborto, pois os embriões sendo “normativamente” inviáveis poderão ser “descartáveis ou inutilizados”, cessando ou interrompendo prematuramente um processo natural ou uma possível “vida”; inclusive ressaltando que seria o ventre ou o tubo de ensaio determinantes para a ilicitude da conduta nos casos de aborto ou manipulação de embriões, respectivamente. A autora, porém, indica a possibilidade de o bem jurídico tutelado ser a “dignidade da pessoa humana”, o que, entretanto, não deveria prevalecer, ante a vaguidade do conceito da própria dignidade do ser humano (MINAHIM, 2005: 163).
     O grande desafio não está somente na regulamentação devida destas leis, é necessário que se leve a quem verdadeiramente precisa de informações, porque de nada adianta uma lei perfeita, o ordenamento jurídico moderno e atualizado se não houver conscientização social daqueles que delas precisam (CLEMENTE, 2006: 228).

O princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, não se compatibiliza com a regra permissiva contida no artigo 5º [...].
Temos, dessa forma, evidente, que a “Lei de Biossegurança” afronta toda a legislação vigente e que os cientistas passaram a ditar as normas legais, principalmente no que diz respeito à vida, utilizando-se para tanto de manipulações de ordem ideológica que ocultam outros interesses não ligados ao bem comum.
O que constatamos é que o Legislativo brasileiro deu um salto no escuro. Não tiveram os nossos parlamentares o cuidado de se aprofundar no tema ou de, pelo menos, sair em busca de fontes seguras e confiáveis que pudessem evitar os graves tropeços, tanto morais como éticos e jurídicos.
Se cada cidadão tivesse a consciência do valor absoluto e intangível da dignidade da pessoa humana, atingiríamos, com toda certeza, o ponto mais alto da evolução da espécie (CLEMENTE, 2006: 189).
    

     Entretanto, os Pilares do Direito que eram considerados inabaláveis têm sido desafiados ante a realidade de se manipular a vida. Conceitos estão sendo repensados e revistos. Os juristas, ante a falta de uma legislação específica, são chamados a determinar até onde as ciências da vida podem caminhar, sem que o princípio da dignidade da pessoa humana seja desrespeitado (ROSA, 2006: 187).







Nenhum comentário:

Postar um comentário