Segundo Maria Auxiliadora Minahim (2005: 42), a preocupação, com a regulação dos conflitos decorrentes do uso da biotecnologia tem conduzido a questionamentos que levam ao chamamento do Direito como recurso capaz de dar efetividade às diretrizes traçadas pela Bioética. Surge, então, o biodireito, que deve constituir em espaço de interação interdisciplinar e não em mais um ramo do ordenamento jurídico.
Defende, então, a autora, que é
necessário a intervenção do legislador, ordenando condutas e definindo limites
que não podem ser deduzidos das vagas formulações da bioética e que não podem
ser deixados ao arbítrio de pesquisadores e profissionais de saúde. Com efeito,
os novos fatos criados pela biotecnologia devem ter ingresso no direito como instância capaz de concretizar o mínimo
ético desejado. Porém, adverte a autora, o direito e, em especial, o direito
penal não devem ser usados para coagir as pessoas em razão de sua posição
moral, mas, por outro lado, não se pode relutar a estreita ligação entre o
direito e a moral, “relação que pode ser contestada quando se considera que as
máximas morais geram os costumes, os quais, por sua vez, servem como fonte
material do legislador” (MINAHIM, 2005: 44-45).
Neste aspecto, demonstra a autora, há
ainda um vazio legislativo no direito brasileiro e identifica, pelo menos, três
causas que contribuem para a defasagem entre o fato e a norma na área de
Biotecnologia: as incertezas e a provisoriedade dos achados científicos, assim
como a fluidez da ética contemporânea e a pluralidade de expectativas dos
diversos segmentos sociais.
Por outro lado, o direito penal é
convocado para emprestar sua adesão e coercitividade à tutela de bens e
interesses que se deseja preservar, às lesões e ameaças produzidas pela
biotecnologia, em razão da importância destes bens e da gravidade dos ataques.
Adverte a autora que o ineditismo das situações e a velocidade com que as
inovações ocorrem e se diversificam, tem surpreendido o Direito Penal,
provocando desestabilização no seu arsenal teórico tradicional.
Demonstra a autora que o direito penal
é confrontado não apenas com as questões postas pela Bioética, mas de forma
geral, com o problema relativo ao oferecimento ou não de tutela a outras
situações postas pela sociedade pós-moderna, de forma que o Direito Penal acaba
por vêr-se no dilema de manter-se fiel ao paradigma do Iluminismo ou
expandir-se e reformular-se para fazer face às ameaças da sociedade
pós-industrial (MINAHIM, 2005: 48-49).
No que tange ao direito penal e ao
papel que pode desempenhar em face dos problemas suscitados pela sociedade
pós-industrial, convém citar o apanhado realizado por Auxiliadora Minahim, que
aponta que os autores se agrupam basicamente, em três diferentes posições: alguns
defendem a expansão e realinhamento da dogmática, conservando-se certos
princípios garantísticos; outros entendem pela preservação das garantias
clássicas e, portanto, pelo fechamento do direito penal em um núcleo básico;
outros ainda, pela flexibilização e renúncia dos princípios da idade moderna
que não podem subsistir na pós-modernidade, dotando-se, desta forma, o direito
penal de instrumentos para proteção das futuras gerações (MINAHIM, 2005: 52).
Em relação ao artigo 24, que faz parte
do Capítulo VIII – Dos Crimes e das Penas, da Lei 11.105 de 2005, que dispõe
sobre o crime de utilizar embriões humanos em desacordo com o que dispõe o
artigo 5º dessa Lei, parece que o bem
jurídico tutelado é a vida. Nesse sentido, posiciona-se Maria Auxiliadora
Minahim, apontando que ultrapassado o prazo de três anos apontado no inciso II
do artigo 5º da Lei, os embriões seriam “normativamente” inviáveis. Nesse
aspecto, a autora aponta a antinomia entre a permissão levada a efeito no
artigo 5º da Lei e a manutenção do crime de aborto, pois os embriões sendo
“normativamente” inviáveis poderão ser “descartáveis ou inutilizados”, cessando
ou interrompendo prematuramente um processo natural ou uma possível “vida”; inclusive
ressaltando que seria o ventre ou o tubo de ensaio determinantes para a
ilicitude da conduta nos casos de aborto ou manipulação de embriões,
respectivamente. A autora, porém, indica a possibilidade de o bem jurídico
tutelado ser a “dignidade da pessoa humana”, o que, entretanto, não deveria
prevalecer, ante a vaguidade do conceito da própria dignidade do ser humano
(MINAHIM, 2005: 163).
O grande desafio não está somente na
regulamentação devida destas leis, é necessário que se leve a quem
verdadeiramente precisa de informações, porque de nada adianta uma lei
perfeita, o ordenamento jurídico moderno e atualizado se não houver
conscientização social daqueles que delas precisam (CLEMENTE, 2006: 228).
O princípio da dignidade
da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, não se
compatibiliza com a regra permissiva contida no artigo 5º [...].
Temos, dessa forma,
evidente, que a “Lei de Biossegurança” afronta toda a legislação vigente e que
os cientistas passaram a ditar as normas legais, principalmente no que diz
respeito à vida, utilizando-se para tanto de manipulações de ordem ideológica
que ocultam outros interesses não ligados ao bem comum.
O que constatamos é que o
Legislativo brasileiro deu um salto no escuro. Não tiveram os nossos
parlamentares o cuidado de se aprofundar no tema ou de, pelo menos, sair em
busca de fontes seguras e confiáveis que pudessem evitar os graves tropeços,
tanto morais como éticos e jurídicos.
Se cada cidadão tivesse a
consciência do valor absoluto e intangível da dignidade da pessoa humana,
atingiríamos, com toda certeza, o ponto mais alto da evolução da espécie
(CLEMENTE, 2006: 189).
Entretanto, os Pilares do Direito que
eram considerados inabaláveis têm sido desafiados ante a realidade de se
manipular a vida. Conceitos estão sendo repensados e revistos. Os juristas,
ante a falta de uma legislação específica, são chamados a determinar até onde as
ciências da vida podem caminhar, sem que o princípio da dignidade da pessoa
humana seja desrespeitado (ROSA, 2006: 187).


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