Espiritualidade a
partir de si mesmo.
A espiritualidade de cima nasce do anseio do homem por tornar-se sempre o melhor, por subir sempre mais alto, por chegar cada vez mais perto de Deus. Esta espiritualidade foi adotada sobretudo na teologia moral dos três últimos séculos e na ascese, tal como ensinada a partir da era iluminista. A espiritualidade de cima apresenta-nos os ideais que devemos buscar, e que, em última análise, devemos cumprir. Os ideais existem para descobrirmos as possibilidades que Deus nos deu. A juventude sempre se mostrou capaz de entusiasmar-se. A excitação da alma é uma força que faz a pessoa crescer, que a faz treinar e aumentar suas capacidades. Quando faltam os ideais que despertam admirações, a juventude adoece. Por isso, ela irá sentir necessidade de outras coisas para sentir-se viva, irá recorrer à destruição e à violência para se transpôr.
Os grandes
exemplos de vida foram vividos pelos santos ao longo da história. Quando
encontra modelos, a confusão interior dos jovens se acalma. Entretanto as
diversas forças dentro deles se organizam em torno do ideal vivido por quem
lhes serve de modelo.
Os modelos
trazem ao jovem apoio e orientação. E o põem em contato com sua própria força,
com as possibilidades que Deus colocou neles.
Mas um dia
chega o momento em que a espiritualidade de cima tem que se unir à
espiritualidade de baixo para poder permanecer viva, do contrário, a pessoa cai
na divisão interior e fica enferma.
Na Bíblia,
Deus nos mostra de que somos capazes quando nos deixamos levar por seu
espírito. Os ideais do Sermão da Montanha[1]
podem servir de exemplo para estas promessas. Só seremos capazes de pô-los em
prática quando, em nossa existência real, houvermos experimentado que somos
filhos e filhas de Deus.
As bases
da espiritualidade de baixo.
Para conhecer o verdadeiro Deus e irem ao seu encontro, os primeiros monges começaram convivendo com as próprias paixões, começaram pelo conhecimento de si próprios. Evárgio Pôntico formula esta espiritualidade de baixo na clássica frase: “Se queres chegar ao conhecimento de Deus, trata de antes te conheceres a ti mesmo”.[2] O subir até Deus passa pelo descer até a própria realidade e pelo chegar às profundezas do inconsciente.
A
espiritualidade de baixo manifesta-se com clareza sobretudo nas parábolas de
Jesus. Na parábola do tesouro no, campo, Jesus
nos mostra que
o tesouro, o nosso
próprio eu, a imagem que Deus faz de nós, pode ser encontrado
precisamente no campo, na terra, na
lama (cf. Mt 13, 44ss). Temos primeiro que
sujar as mãos, temos que cavar a
terra, se quisermos encontrar o tesouro que existe em nós.
Outra
parábola que Jesus emprega para fundamentar a espiritualidade de baixo é a do
joio no meio do trigo (cf. Mt 13, 24-30).
Carl Gustav
Jung lembra que o caminho da encarnação passa pelo descer ao mundo inferior, ao
inconsciente. Ele próprio cita Ef 4,9: “Mas que
significa este ´subir`
senão que antes ele desceu a esta terra”?[3]
E acha que a psicologia, malvista e injuriada por tantos cristãos visa
exatamente isto. Pinta-se “a psicologia com as cores mais pretas possíveis,
porque ela ensina – em perfeita consonância com o símbolo cristão – que ninguém
pode subir sem que tenha descido antes”[4]. Jung lembra que Cristo, como o grande
renovador, foi julgado com os criminosos.
Só poderemos
assinalar a novidade de sua mensagem se estivermos prontos a nos deixar contar entre os criminosos, se nos reconciliarmos com o
criminoso que existe em nós.
O caminho
para Deus, segundo Jung, passando pela descida às próprias trevas, leva-nos ao
inconsciente, à região sombria do Hades. Partindo daí, o eu pode retornar com
abundantes riquezas, assim como na lenda da Maria de Ouro[5]
que cai no poço, encontra lá embaixo o ouro e retorna com uma nova riqueza para
o mundo de cima. Para Jung é uma lei da vida que só podemos encontrar o caminho
para o nosso eu e para Deus quando temos coragem de descer às nossas sombras e
às trevas do nosso inconsciente.
Já para
Dürckheim[6],
este caminho passa também pela coragem de descer às próprias sombras, à própria
solidão e à própria tristeza.
Os dois mundos apontam-nos para o caminho da espiritualidade de baixo. Então temos que descer até o fundo para descobrirmos uma nova fonte para a nossa vida, temos que descer para podermos renovar a vida que se tornou vazia e ressequida. A força da transformação nós encontramos lá embaixo. Muitas vezes, só o desespero ou um fracasso é que me força a percorrer o caminho para baixo, para aí encontrar a fonte.
[1] Cf. GRÜN, Anselm e Dufner Meinrad. Espiritualidade a partir de Si Mesmo. Petrópolis: Vozes, 2004,
p.16.
[2] GRÜN, Anselm e Dufner Meinrad. Espiritualidade a partir de Si Mesmo. Petrópolis: Vozes, 2004, p.7.
[3] Ib. p.48.
[5] Cf. GRÜN, Anselm e Dufner Meinrad. Espiritualidade a partir de Si Mesmo. Petrópolis: Vozes, 2004,
p.48.



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