segunda-feira, 13 de novembro de 2017

A Bioética: Audácia e Prudência.


Definição do termo Bioética


       
Na constituição do verbete bioética, temos a conjunção de duas palavras gregas, bios, βιОς (vida) e éthicos, ηθικος (comportamento conforme o bom costume).
 A bioética, enquanto disciplina, é relativamente recente. Nascida no início da década de 1970 nos Estados Unidos, mas com precedentes jurídicos no processo de Nuremberg, que inscreveu na ordem simbólica o conceito de crimes contra a humanidade.
 Em 1971, o cancerologista Van Rensselaer Potter (Bioética, uma ponte para o futuro) criou o verbete bioética, para caracterizar uma especulação surgida por volta dos anos 70, depois do primeiro impacto dos transplantes e outras descobertas científicas. O verbete visava referir-se à importância das ciências biológicas na melhoria da qualidade de vida, a fim de que as preocupações éticas voltadas à dignidade da vida humana dirigissem as pesquisas científicas no campo da biologia.
  Crendo em uma concepção de evolucionismo tríplice para a humanidade (biológica, cultural e fisiológica), a obra de Potter somou-se a outros pensadores que começavam a vislumbrar desafios e dilemas éticos com a evolução da biotecnologia. Dentre estes podemos destacar o médico holandês André Hellegers, que estabeleceu critérios para as discussões em bioética, o teólogo metodista Paul Ramsey, organizador da Encyclopedia of Bioethics, e o teólogo anglicano Joseph Fletcher  na obra Morals and Medicine

     A Encyclopedia of Bioethics define a bioética como estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências biológicas e da atenção à saúde, na medida em que esta conduta seja examinada à luz de valores e princípios morais, constituindo um conceito mais amplo que o da ética médica, tratando da vida do homem, da fauna e da flora. Seu estudo reúne a contribuição da medicina, psicologia, direito, biologia, antropologia, sociologia, ecologia, teologia, filosofia, etc., observando as diversas culturas e valores (GALVÃO, 2004: 55).
        Diante de um cenário de diferentes questões relacionadas aos problemas éticos sobre o início e o fim da vida humana, surgem novos meios de fertilização, da seleção de sexo, da engenharia genética, da maternidade substitutiva, das pesquisas em seres humanos, do transplante de órgãos, dos pacientes terminais, das formas de eutanásia e, mais recente, da clonagem reprodutiva e terapêutica, da terapia com células-tronco embrionárias.
        Note-se que na atualidade, não apenas um prefácio de valores éticos que diz respeito à vida do ser humano penetram os intensos debates de cunho bioético, alertando sobre os riscos ambientais começam também a reclamar para uma ética ambiental planetária, que penetra não somente as discussões mas também as decisões que podem ocasionar mudanças climáticas e danos ao meio ambiente.
        Olhando por este prisma, as questões ligadas ao uso de agrotóxicos, dos alimentos geneticamente alterados, de animais em experiência ou do controle da circulação de poluição e do desflorestamento desenfreado, orientam debates com grande participação popular.
        É necessário deixar claro que a bioética não é uma nova ética. É uma disciplina da Ética, ramo da Filosofia Moral, já conhecida e estudada na história da Filosofia, mas aplicada agora a uma série de questões e situações ligadas à vida humana, fundamentalmente aquela trazida pelo avanço das ciências biomédicas.
        Podemos falar de Macrobioética, ao aproximar matéria como a Ecologia, apontando para resguardar a espécie humana no planeta, ou a Medicina Sanitária, dirigida à saúde de determinadas comunidades ou populações, e a Microbioética, voltada basicamente para o relacionamento entre os profissionais da saúde e os pacientes, e, ainda, no interesse deles, destas, com relação aos profissionais da saúde (SEGRE & COHEN, 2002: 27).
        A Bioética vem se impondo como um fenômeno cultural que está desenhando nessas três décadas de sua breve história, um horizonte de significação semelhante àquele que propiciou a emergência da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Gerada num cenário de ambigüidade, gerada sob o signo do paradoxo, vem tentando retificar o traço de imprecisão que a acompanha.
       O clima paradoxal que lhe deu origem está representado no caráter ambivalente das tecnociências que espraiavam seu domínio nos meados do século XX. Na verdade provocaram forte entusiasmo e admiração, acompanhados de inequívoca reação. A imprevisibilidade que acompanhava os possíveis efeitos de suas inovações gerava temor e ansiedade. Na época, os conflitos entre essas inovações e invenções biotecnológicas com suas intervenções no campo dos cuidados à saúde e procedimentos terapêuticos, de um lado, e os direitos fundamentais de proteção da dignidade do ser humano, de outro. Para melhor entender a Bioética, da dupla necessidade, das investigações científicas; e o cuidado na proteção dos direitos fundamentais do ser humano. Foram abusos creditados a procedimentos e atitudes inadequadas que provocaram inquietação e crítica no âmbito da comunidade biomédica e indignação da sociedade civil que viam nessas atitudes tanto nas pesquisas como em situações clínicas e terapêuticas uma transgressão de uma ordem, de uma norma.
        A intuição do Dr. Potter ao lançar seu desafio, em seu livro Ponte para o futuro, articulando Bios e ethos aos conhecimentos científicos e às humanidades, gerou a necessidade de um esforço em prover a essa tradição normativa e ética da proteção dos direitos humanos uma dinâmica mais adequada, para que as questões pudessem ser analisadas apropriadamente. Assim, institucionalizou-se esse projeto cultural denominado, desde então, Bioética. A fundação do projeto se liga à fundação de uma instituição norte-americana, o Hasting Center, na qual profissionais da medicina do direito e da filosofia se propuseram estudar sistematicamente as questões morais relacionadas ao campo das ciências da vida.

“Se existe duas culturas que parecem incapaz de dialogar – as ciências e humanidades -, e se isto se apresenta como uma razão pela qual o futuro se apresenta duvidoso, então, possivelmente, poderíamos construir uma ponte para o futuro construindo a bioética como uma ponte entre as duas culturas” (Van Rensselaer Potter apud PESSINI, 2006: 11).

        Uma análise filosófica dos debates bioéticos revela opiniões profundamente divididas. Inúmeras perspectivas ideológicas e religiosas dão respostas específicas às questões morais levantadas pelas discussões bioéticas. Na medida em que essas respostas específicas não podem ser justificadas em termos gerais de análise e argumentações racionais, cavou-se um abismo entre a bioética da filosofia não confessional (secular) na generalidade, e as análises feitas a partir do âmago de perspectivas religiosas e ideológicas específicas (Cf. VON ZUBEN, 2006: 201).
        Lecourt afirma que não se pode contentar em definir o bem por uma diferenciação em relação ao mal, nem se satisfazer de uma heurística do medo segundo a detestável expressão de Hans Jonas, devemos construir incansavelmente uma ideia positiva do bem, em seguida vivê-la e substituir a ética do medo por uma ética do risco.
        Von Zuben alia no projeto da Bioética, a audácia e a prudência.
        Lecourt, por sua vez, defende que a aventura humana, no que tem de mais nobre, sempre foi a coragem de afrontar o risco. Retoma a coragem no sentido que lhe atribuíam os gregos, “aquele saber assumir riscos não por temor de um mal, mas para realizar grandes ações ao serviço de um bem”.
        Todo aumento de poder implica uma maior responsabilidade, as ciências física e química inauguram uma era de avanços e superações, agora a biologia e a complexificação crescente de suas ramificações na genética e na biologia molecular abrem perspectivas inauditas e promissoras no plano da otimização da condição humana na sua estrutura genética, a ponto de já se especular sobre uma etapa pós-humana na evolução. Toda a engenhosidade em obra nas investigações genéticas, na procriática com a ectogênese e, mais recentemente, com partenogênese, isto é, o desenvolvimento de um embrião a partir de um óvulo sem fecundação, nos obrigará, sem sombra de dúvida, a instituir novos valores que são induzidos pelos avanços das pesquisas que se desenvolvem atualmente. Então, invoca-se a tarefa complexa da Bioética, dada à amplitude dos temas e problemas que são tidos como passíveis de serem tratados por essa prática de reflexão e de debates no campo ético.
        Lecourt observa que se deve, de alguma forma, evitar que “o temor do incerto se sobreponha sobre a atração do desconhecido” (KAHN; LECOURT, 2004: 114). Voltando às duas forças sugeridas pela interpretação dada por Arendt à parábola de Kafka, onde ela menciona a história de um evento-pensamento: “A cena é de um campo de batalha no qual se digladiam as forças do passado e do futuro; entre elas encontramos o homem que Kafka chama de “ele”, que para se manter em seu território, deve combater ambos” (ARENDT, 1979: 36-37); parece que a força do passado pode ser tomada mais como um freio a serviço de uma instância de interditos do que de orientação e proteção. Observa-se que não é conveniente e aceitável que a Ética seja tomada como uma instância a serviço de alguma tendência ideológica diante da crucial questão, do sentido das tecnociências, das biotecnologias e suas aplicações na complexa economia da condição humana atual. O paradigma bioético se apresenta como a alguma causa, a ideia da Bioética é outra.
        Há uma tendência a perceber e conceber a Bioética, equivocadamente, sob o signo do interdito. Observa muito bem Lecourt:

É muito surpreendente ver que o campo da bioética, especialmente quando ele é frequentado por juristas, é submetido à questão de saber o que deve ser proibido. Ao contrário, dever-se-ia colocar a questão de saber o que se pode conseguir com os avanços biológicos e médicos para o ser humano (KAHN; LECOURT, 2004: 109).
     
        Lecourt advoga para a Bioética a função de invenção e de proteção, desse modo, “nos colocaríamos na ótica da inventividade normativa” (2004: 110). Uma vez que os interditos surgem sempre aliados a atividades de pesquisa, práticas que muitas vezes afrontam a dignidade da pessoa humana, o mundo humano, impõem-se, como função na Bioética, “avaliar, suscitar e explorar aqueles possíveis que possam contribuir ao bem comum; e aquilo que provoca uma reflexão filosófica de conjunto sobre a condição humana” (2004: 110). A tarefa de proteção inclui em seu processo a cuidadosa análise, reflexão, debates multi e interdisciplinares, avaliações rigorosas e decisões criteriosas sobre todo o domínio das pesquisas biotecnológicas e biomédicas visando à salvaguarda da dignidade humana e a promoção do bem comum, assim Von Zuben entende a vigilância da inventividade normativa proposta por Lecourt.

O cientismo fez da ciência um fetiche; o tecnologismo fez do poder da técnica um artigo de fé. O espírito científico, em seu livre desenvolvimento, o pensamento tecnológico na inesgotável inventividade que manifesta solicita novamente de modo vigoroso o espírito ético. Carecemos de um “novo espírito ético” emancipado de concepções individualistas do sujeito, do indivíduo, da pessoa e de sua responsabilidade (LECOURT, 2004: 114).

            Creio que, evitando antagonismos extremados, ao contrário, animados com audácia e prudência, conscientes da extrema fragilidade que nos acompanha e da inaudita potencialidade que estamos conquistando, se observarmos o fundo da nova caixa de nossa condição humana, simplesmente humana, poderemos contemplar graças à esperança paradoxal o futuro do “filho do homem” (VON ZUBEN, 2006: 267).

        Segundo Léo Pessini, que pergunta e responde à seguinte questão: nesta era moderna de cosmologia, evolução e genoma humano, será que ainda existe a possibilidade de uma harmonia satisfatória entre as visões de mundo científica e espiritual? Eu respondo com um sonoro sim!
        E, segundo Francis S. Collins (diretor do Projeto Genoma Humano e autor da “A Linguagem de Deus: um cientista apresenta evidências de que Ele existe (PESSINI, 2008: 53): “Em minha opinião, não há conflito entre ser um cientista que age com severidade e uma pessoa que crê num deus que tem interesse pessoal em cada um de nós. O domínio da ciência está em explorar a natureza. O domínio de Deus encontra-se no mundo espiritual, um campo que não é possível esquadrinhar com os instrumentos e a linguagem da ciência; deve ser examinado com o coração, com a mente e com a alma – e a mente deve encontrar uma forma de abraçar ambos os campos” (COLLINS apud PESSINI, 2007: 54).
        Afirma Collins que “a ciência é a única forma confiável para entender o mundo da natureza, e as ferramentas científicas, quando utilizadas de maneira adequada, podem gerar profundos discernimentos na existência material. A ciência, entretanto, é incapaz de responder a questões como:por que o universo existe? ”, “qual o sentido da existência humana? ”, “que acontece após a morte? ”. Uma das necessidades mais fortes de humanidade é encontrar respostas para as questões mais profundas, e temos de apontar todo o poder de ambas as perspectivas, a científica e a religiosa, para buscar a compreensão tanto daquilo que vemos como do que não vemos” (COLLINS, 2007: 14 -15).
        Bioética, ética da vida, da saúde e do meio ambiente é um espaço de diálogo transprofissional, transdisciplinar e transcultural na área da saúde e da vida, um grito pelo resgate da dignidade da pessoa humana, dando ênfase na qualidade de vida: proteção à vida humana e seu ambiente. Não é ética pré-fabricada, mas um processo.
        Somos humanos, chamados a altos voos. Foi esta preocupação que a bioética foi proposta: questionar o progresso e para onde o avanço materialista da ciência e tecnologia estava levando a cultura ocidental, que tipo de futuro estamos construindo e se temos algumas opções para ele.
        Desde o início, Potter usa a palavra ponte, bioética ponte, ponte entre ciências biológicas e ética, mas como um meio para um fim, ponte para o futuro, disciplina que guiaria a humanidade como uma ponte para o futuro.
        Assim, o objetivo da bioética é ajudar a humanidade em direção a uma participação racional, mas cautelosa, no processo da evolução biológica e cultural.
        A Bioética é mais que debater, é fazer coisas junto uns com os outros porque é tendo a responsabilidade de agir, de justificar as escolhas feitas ou não, de dar razões da ação e de arcar com as consequências, que se aprende a viver junto, que se constrói comunidade, que se pratica solidariedade, que se exercita o acolhimento.
        A tarefa cotidiana do cultivo do acolhimento inclui uma atitude proativa de procura do ponto ideal de encontro com o outro nos momentos de discordâncias e enfrentamentos. O acolhimento é uma conquista no caminho em direção à solidariedade, este laço recíproco que une pessoas como co-responsáveis pelo bem umas das outras (BARCHIFONTAINE, 2006: 7-8).
        A instrução Donum Vitae (Dom da Vida) e a encíclica Evangelium Vitae (O Evangelho da Vida) são os principais documentos religiosos que fundamentam não apenas a postura da Igreja Católica, mas também de boa parte dos estudiosos e interessados em bioética. O primeiro, elaborado pela Pontifícia Academia para a Vida em 1987, trata sobre o respeito à vida humana nascente. Já o segundo, foi pronunciado pelo papa João Paulo II, em 1995, a respeito do valor e o caráter inviolável da vida humana. A instrução Donum Vitae, mais casuística, apresenta-se como um catecismo de bioética, com seis perguntas breves e incisivas e suas respostas. Já em seu início, o princípio da precaução impõe-se sobre a capacidade de avanço da ciência sobre uma espécie de “domínio” pré-determinado:

O homem pode dispor de recursos terapêuticos mais eficazes, pode também adquirir novos poderes sobre a vida humana em seu próprio início e nos seus primeiros estágios, com conseqüências imprevisíveis” [..] E ressalta ainda que com tais técnicas os homens podem “tomar em mãos o próprio destino”, expondo-o, ao mesmo tempo, à tentação de ultrapassar os limites de um domínio razoável sobre a natureza (DV, I, 2:9).

        Já o texto da Evangelium Vitae, cujos pressupostos teóricos e metodológicos se encontram na encíclica anterior Veritatis Splendor (VIDAL, 1995: 506), ainda que não trate do problema das células-tronco quando trabalha a questão do aborto, considera o tema da identidade do fruto da concepção, que segundo alguns pesquisadores “ao menos até um certo número de dias, ainda não pode ser considerado uma vida humana pessoal” (EV 60a).

Está em jogo algo tão importante que, do ponto de vista da obrigação moral, bastaria apenas a probabilidade de encontrar-se diante de uma pessoa para justificar a mais rotunda proibição de qualquer intervenção destinada a eliminar um embrião humano. Precisamente por isso, mais além dos debates científicos e das próprias afirmações filosóficas nas quais o Magistério não se comprometeu expressamente, a Igreja sempre ensinou que o fruto de uma geração humana, desde o primeiro momento de sua existência, deve ter garantido o seu respeito incondicional, que moralmente é devido ao ser humano em sua totalidade e unidade corporal e espiritual (EV 60b).

        Embora já ressaltado o caráter autoritário e moralizador do documento, que registra uma série de “nãos” no que se refere à reprodução humana em laboratório e a certas intervenções terapêuticas sobre os embriões, deve-se destacar a proibição da manipulação de embriões, em qualquer estágio de seu desenvolvimento (ANDRÉS, 2005: 106).

O ser humano deve ser respeitado e tratado como pessoa desde a sua concepção e, por isso, desde aquele mesmo momento devem ser-lhe reconhecidos os direitos da pessoa, entre os quais, antes de tudo, o direito inviolável de cada ser humano inocente à vida (DV, I, 1).

        Mesmo apesar da força de o Vaticano emitir encíclicas, todas elas seguidas à risca pelos diferentes segmentos católicos em todo o mundo, houve pequenas, mas não tímidas ações ao caráter conservador, fundamentalista e dogmático de tais documentos, sobretudo quando não abrem espaço para o diálogo racional com a comunidade científica. Vale ressaltar a crítica do moralista católico Marciano Vidal, que foi forçado a aceitar uma notificação romana após criticar o conteúdo da Evangelium Vitae (KUSCHEL & MIETH, s.d.):

...chama a atenção o interesse tão grande que o presente pontificado deu aos temas morais. Pode-se falar de uma “síndrome de moralização” dentro da consciência católica atual...
...é interessante constatar que as correntes teológicas que mais se opõem ao uso da razão autônoma no discurso teológico-moral e que mais se destacam a especificidade da moral cristã são agora os que defendem a identificação entre os conteúdos da fé e os conteúdos da razão na moral da vida humana. Acho que se deve continuar pensando a relação entre fé e razão e tratar de resolver a ambigüidade epistemológica subjacente a muitos documentos eclesiásticos, entre os quais temos que contar a Evangelium Vitae...
...A carga de maior profundidade e de maior amplitude contida na Evangelium Vitae é o juízo moral que emite sobre o sistema democrático de nossas sociedades... surge a dificuldade sobre o procedimento válido para conseguir esse consenso de valores, sem cair em nenhum dos dois extremos: o “fundamentalismo” e o “niilismo axiológico”. A encíclica lançou um desafio arriscado que postula uma forma especial de presença dos católicos na vida pública. Conviria não se deixar levar pela “vertigem da verdade” e favorecer assim a reedição de formas de intolerância já executadas em épocas passadas (VIDAL, 1995: 509-510).

        Além destes documentos de cunho tradicional, emanados pelos organismos da cúria romana ou pela doutrina pontifícia, somam-se outros pronunciamentos que foram publicados ulteriormente. Destaca-se a Pontifícia Academia Para a Vida, criada por João Paulo II em 1994. A entidade, que reúne 70 cientistas, tem como objetivos discutir, formar e disseminar a doutrina e os valores católicos em todo o mundo.
        Entre os documentos publicados, há um amplo espaço à exposição do estado atual da pesquisa correspondente, com abundante bibliografia e atenção às questões éticas, numa abordagem condizente com a doutrina do Magistério católico. Foram emanados um documento sobre a clonagem e dois sobre as células-tronco. Cinco meses após a declaração sobre a clonagem, foram publicados outros documentos sobre as células-tronco. O primeiro é a “Declaração sobre a produção e o uso científico e terapêutico das células estaminais embrionárias humanas” e o segundo tem como título “Células-mãe humanas autólogas e transferência de núcleo” (ANDRÉS, 2005: 109). O primeiro documento, estruturado em duas partes, uma científica e outra de caráter ético, busca delimitar a questão da identidade do embrião como pessoa:

Partindo duma completa análise biológica, o embrião humano vivo é, a partir da fusão dos gametas, um sujeito humano com uma identidade bem definida, que começa, a partir daquele instante, o seu próprio desenvolvimento coordenado, contínuo e gradual, de tal forma que, em nenhuma etapa posterior, se pode considerar como um simples aglomerado de células. Consequentemente, como "indivíduo humano", tem direito à sua própria vida [...]. Assim, a ablação da massa celular interna (ICM) do blastócito, que lesiona grave e irremediavelmente o embrião humano, interrompendo a sua evolução, é um ato gravemente imoral e, portanto, gravemente ilícito.
      
        O teólogo Márcio Fabri dos Anjos, sem detalhar os modelos, faz uma rápida menção a três tendências atuais na condução do discurso teológico em bioética:
        Discurso autoritativo da fé: esta tendência parte de uma ênfase na ambigüidade humana de tal forma que “sua capacidade para conhecer a verdade fica ofuscada, e enfraquecida sua vontade para se submeter a ela” (ANJOS apud PESSINI, 2006: 21).  Trata-se da transformação de autoritativo em autoritário, esperando-se de autoridades constituídas a definição cabal de conceitos e critérios.
        Discurso confessional da fé: esta tendência está presente na obra de H. Tristan Engelhardt Jr., que busca construir consensos éticos em meio ao pluralismo cultural e argumentativo. “Se a verdade não pode irromper até nós e pessoalmente nos dirigir, não vamos estar sempre perdidos na pluralidade de diversas percepções morais e religiosas no sentido de não sabermos que normas devem nos reger” (ANJOS apud PESSINI, 2006:123). Discurso argumentativo da fé: esta tendência valoriza a força da racionalidade alimentada pela fé. Na tendência anterior a fé é confessada e mostra-se na frente, aqui a fé fica implícita nos argumentos que se tecem.
        Todo o esforço da bioética e da teologia tem como objetivo fazer da vida não simplesmente uma sobrevivência, mas uma grande festa em que reine o progresso na justiça e na dignidade, e que os pobres possam finalmente tocar com as mãos o conteúdo da esperança.

  Ponto de partida= Coragem: Equilíbrio entre Prudência e Audácia.
























FONTE: Ilustração: https://www.google.com.br/search?tbm=isch&sa=1&ei=ajEHWvaNBYn8wQSs77uwAQ&q=imagem+equil%C3%ADbrio+aud%C3%A1cia+e+prud%C3%AAncia++&oq=imagem+equil%C3%ADbrio+aud%C3%A1cia+e+prud%C3%AAncia++&gs_l=psy-ab.12...41778.48854.0.50912.12.11.0.0.0.0.1638.3098.2-2j0j2j8-1.5.0....0...1.1.64.psy-ab..10.0.0....0.-MA1rDk7YgE#imgrc=oyljB0-wpX0r4M:



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