Definição do termo Bioética
A
bioética, enquanto disciplina, é relativamente recente. Nascida no início da
década de 1970 nos Estados Unidos, mas com precedentes jurídicos no processo de
Nuremberg, que inscreveu na ordem simbólica o conceito de crimes contra a
humanidade.
Em 1971,
o cancerologista Van Rensselaer Potter (Bioética, uma ponte para o futuro)
criou o verbete bioética, para caracterizar uma especulação surgida por volta
dos anos 70, depois do primeiro impacto dos transplantes e outras descobertas
científicas. O verbete visava referir-se à importância das ciências biológicas
na melhoria da qualidade de vida, a fim de que as preocupações éticas voltadas
à dignidade da vida humana dirigissem as pesquisas científicas no campo da
biologia.
Crendo
em uma concepção de evolucionismo tríplice para a humanidade (biológica,
cultural e fisiológica), a obra de Potter somou-se a outros pensadores que
começavam a vislumbrar desafios e dilemas éticos com a evolução da
biotecnologia. Dentre estes podemos destacar o médico holandês André Hellegers,
que estabeleceu critérios para as discussões em bioética, o teólogo metodista
Paul Ramsey, organizador da Encyclopedia
of Bioethics, e o teólogo anglicano Joseph Fletcher na obra Morals
and Medicine.
A Encyclopedia of Bioethics define a
bioética como estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências biológicas
e da atenção à saúde, na medida em que esta conduta seja examinada à luz de
valores e princípios morais, constituindo um conceito mais amplo que o da ética
médica, tratando da vida do homem, da fauna e da flora. Seu estudo reúne a
contribuição da medicina, psicologia, direito, biologia, antropologia,
sociologia, ecologia, teologia, filosofia, etc., observando as diversas
culturas e valores (GALVÃO, 2004: 55).
Diante
de um cenário de diferentes questões relacionadas aos problemas éticos sobre o
início e o fim da vida humana, surgem novos meios de fertilização, da seleção
de sexo, da engenharia genética, da maternidade substitutiva, das pesquisas em
seres humanos, do transplante de órgãos, dos pacientes terminais, das formas de
eutanásia e, mais recente, da clonagem reprodutiva e terapêutica, da terapia
com células-tronco embrionárias.
Note-se
que na atualidade, não apenas um prefácio de valores éticos que diz respeito à
vida do ser humano penetram os intensos debates de cunho bioético, alertando
sobre os riscos ambientais começam também a reclamar para uma ética ambiental
planetária, que penetra não somente as discussões mas também as decisões que
podem ocasionar mudanças climáticas e danos ao meio ambiente.
Olhando
por este prisma, as questões ligadas ao uso de agrotóxicos, dos alimentos
geneticamente alterados, de animais em experiência ou do controle da circulação
de poluição e do desflorestamento desenfreado, orientam debates com grande
participação popular.
É necessário
deixar claro que a bioética não é uma nova ética. É uma disciplina da Ética,
ramo da Filosofia Moral, já conhecida e estudada na história da Filosofia, mas
aplicada agora a uma série de questões e situações ligadas à vida humana,
fundamentalmente aquela trazida pelo avanço das ciências biomédicas.
Podemos
falar de Macrobioética, ao aproximar matéria como a Ecologia, apontando para
resguardar a espécie humana no planeta, ou a Medicina Sanitária, dirigida à
saúde de determinadas comunidades ou populações, e a Microbioética, voltada
basicamente para o relacionamento entre os profissionais da saúde e os
pacientes, e, ainda, no interesse deles, destas, com relação aos profissionais
da saúde (SEGRE & COHEN, 2002: 27).
A
Bioética vem se impondo como um fenômeno cultural que está desenhando nessas
três décadas de sua breve história, um horizonte de significação semelhante
àquele que propiciou a emergência da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Gerada num cenário de ambigüidade, gerada sob o signo do paradoxo, vem tentando
retificar o traço de imprecisão que a acompanha.
O clima
paradoxal que lhe deu origem está representado no caráter ambivalente das
tecnociências que espraiavam seu domínio nos meados do século XX. Na verdade provocaram
forte entusiasmo e admiração, acompanhados de inequívoca reação. A
imprevisibilidade que acompanhava os possíveis efeitos de suas inovações gerava
temor e ansiedade. Na época, os conflitos entre essas inovações e invenções
biotecnológicas com suas intervenções no campo dos cuidados à saúde e
procedimentos terapêuticos, de um lado, e os direitos fundamentais de proteção
da dignidade do ser humano, de outro. Para melhor entender a Bioética, da dupla
necessidade, das investigações científicas; e o cuidado na proteção dos
direitos fundamentais do ser humano. Foram abusos creditados a procedimentos e
atitudes inadequadas que provocaram inquietação e crítica no âmbito da
comunidade biomédica e indignação da sociedade civil que viam nessas atitudes
tanto nas pesquisas como em situações clínicas e terapêuticas uma transgressão
de uma ordem, de uma norma.
A
intuição do Dr. Potter ao lançar seu desafio, em seu livro Ponte para o futuro, articulando Bios e ethos aos
conhecimentos científicos e às humanidades, gerou a necessidade de um esforço
em prover a essa tradição normativa e ética da proteção dos direitos humanos
uma dinâmica mais adequada, para que as questões pudessem ser analisadas
apropriadamente. Assim, institucionalizou-se esse projeto cultural denominado,
desde então, Bioética. A fundação do projeto se liga à fundação de uma
instituição norte-americana, o Hasting
Center, na qual profissionais da medicina do direito e da filosofia se
propuseram estudar sistematicamente as questões morais relacionadas ao campo
das ciências da vida.
“Se existe duas culturas que parecem incapaz de
dialogar – as ciências e humanidades -, e se isto se apresenta como uma razão
pela qual o futuro se apresenta duvidoso, então, possivelmente, poderíamos
construir uma ponte para o futuro
construindo a bioética como uma ponte entre as duas culturas” (Van Rensselaer
Potter apud PESSINI, 2006: 11).
Uma
análise filosófica dos debates bioéticos revela opiniões profundamente
divididas. Inúmeras perspectivas ideológicas e religiosas dão respostas
específicas às questões morais levantadas pelas discussões bioéticas. Na medida
em que essas respostas específicas não podem ser justificadas em termos gerais
de análise e argumentações racionais, cavou-se um abismo entre a bioética da
filosofia não confessional (secular) na generalidade, e as análises feitas a
partir do âmago de perspectivas religiosas e ideológicas específicas (Cf. VON
ZUBEN, 2006: 201).
Lecourt
afirma que não se pode contentar em definir o bem por uma diferenciação em
relação ao mal, nem se satisfazer de uma heurística do medo segundo a
detestável expressão de Hans Jonas, devemos construir incansavelmente uma ideia
positiva do bem, em seguida vivê-la e substituir a ética do medo por uma ética
do risco.
Von
Zuben alia no projeto da Bioética, a
audácia e a prudência.
Lecourt,
por sua vez, defende que a aventura humana, no que tem de mais nobre, sempre
foi a coragem de afrontar o risco. Retoma a coragem no sentido que lhe
atribuíam os gregos, “aquele saber assumir riscos não por temor de um mal, mas
para realizar grandes ações ao serviço de um bem”.
Todo
aumento de poder implica uma maior responsabilidade, as ciências física e
química inauguram uma era de avanços e superações, agora a biologia e a
complexificação crescente de suas ramificações na genética e na biologia
molecular abrem perspectivas inauditas e promissoras no plano da otimização da
condição humana na sua estrutura genética, a ponto de já se especular sobre uma
etapa pós-humana na evolução. Toda a engenhosidade em obra nas investigações
genéticas, na procriática com a ectogênese e, mais recentemente, com
partenogênese, isto é, o desenvolvimento de um embrião a partir de um óvulo sem
fecundação, nos obrigará, sem sombra de dúvida, a instituir novos valores que
são induzidos pelos avanços das pesquisas que se desenvolvem atualmente. Então,
invoca-se a tarefa complexa da Bioética, dada à amplitude dos temas e problemas
que são tidos como passíveis de serem tratados por essa prática de reflexão e
de debates no campo ético.
Lecourt
observa que se deve, de alguma forma, evitar que “o temor do incerto se sobreponha sobre a atração do desconhecido”
(KAHN; LECOURT, 2004: 114). Voltando às duas forças sugeridas pela interpretação
dada por Arendt à parábola de Kafka, onde ela menciona a história de um
evento-pensamento: “A cena é de um campo de batalha no qual se digladiam as
forças do passado e do futuro; entre elas encontramos o homem que Kafka chama
de “ele”, que para se manter em seu território, deve combater ambos” (ARENDT,
1979: 36-37); parece que a força do passado pode ser tomada mais como um freio
a serviço de uma instância de interditos do que de orientação e proteção.
Observa-se que não é conveniente e aceitável que a Ética seja tomada como uma
instância a serviço de alguma tendência ideológica diante da crucial questão,
do sentido das tecnociências, das biotecnologias e suas aplicações na complexa
economia da condição humana atual. O paradigma bioético se apresenta como a
alguma causa, a ideia da Bioética é outra.
Há uma
tendência a perceber e conceber a Bioética, equivocadamente, sob o signo do
interdito. Observa muito bem Lecourt:
É muito surpreendente ver que o campo da bioética,
especialmente quando ele é frequentado por juristas, é submetido à questão de
saber o que deve ser proibido. Ao contrário, dever-se-ia colocar a questão de
saber o que se pode conseguir com os avanços biológicos e médicos para o ser
humano (KAHN; LECOURT, 2004: 109).
Lecourt advoga para a Bioética a função
de invenção e de proteção, desse modo, “nos colocaríamos na ótica da
inventividade normativa” (2004: 110). Uma vez que os interditos surgem sempre
aliados a atividades de pesquisa, práticas que muitas vezes afrontam a
dignidade da pessoa humana, o mundo humano, impõem-se, como função na Bioética,
“avaliar, suscitar e explorar aqueles
possíveis que possam contribuir ao bem comum; e aquilo que provoca uma reflexão
filosófica de conjunto sobre a condição humana” (2004: 110). A tarefa de
proteção inclui em seu processo a cuidadosa análise, reflexão, debates multi e
interdisciplinares, avaliações rigorosas e decisões criteriosas sobre todo o
domínio das pesquisas biotecnológicas e biomédicas visando à salvaguarda da
dignidade humana e a promoção do bem comum, assim Von Zuben entende a
vigilância da inventividade normativa proposta por Lecourt.
O cientismo fez da ciência um fetiche; o tecnologismo
fez do poder da técnica um artigo de fé. O espírito científico, em seu livre
desenvolvimento, o pensamento tecnológico na inesgotável inventividade que
manifesta solicita novamente de modo vigoroso o espírito ético. Carecemos de um
“novo espírito ético” emancipado de concepções individualistas do sujeito, do
indivíduo, da pessoa e de sua responsabilidade (LECOURT, 2004: 114).
Creio que, evitando antagonismos extremados, ao contrário, animados com
audácia e prudência, conscientes da extrema fragilidade que nos acompanha e da
inaudita potencialidade que estamos conquistando, se observarmos o fundo da
nova caixa de nossa condição humana, simplesmente humana, poderemos contemplar
graças à esperança paradoxal o futuro do “filho do homem” (VON ZUBEN, 2006:
267).
Segundo
Léo Pessini, que pergunta e responde à seguinte questão: nesta era moderna de
cosmologia, evolução e genoma humano, será que ainda existe a possibilidade de
uma harmonia satisfatória entre as visões de mundo científica e espiritual? Eu
respondo com um sonoro sim!
E,
segundo Francis S. Collins (diretor do Projeto Genoma Humano e autor da “A
Linguagem de Deus: um cientista apresenta evidências de que Ele existe
(PESSINI, 2008: 53): “Em minha opinião,
não há conflito entre ser um cientista que age com severidade e uma pessoa que
crê num deus que tem interesse pessoal em cada um de nós. O domínio da ciência
está em explorar a natureza. O domínio de Deus encontra-se no mundo espiritual,
um campo que não é possível esquadrinhar com os instrumentos e a linguagem da
ciência; deve ser examinado com o coração, com a mente e com a alma – e a mente
deve encontrar uma forma de abraçar ambos os campos” (COLLINS apud PESSINI,
2007: 54).
Afirma
Collins que “a ciência é a única forma
confiável para entender o mundo da natureza, e as ferramentas científicas,
quando utilizadas de maneira adequada, podem gerar profundos discernimentos na
existência material. A ciência, entretanto, é incapaz de responder a questões
como: “por que o universo existe?
”, “qual o sentido da existência humana?
”, “que acontece após a morte? ”. Uma das necessidades mais fortes de
humanidade é encontrar respostas para as questões mais profundas, e temos de
apontar todo o poder de ambas as perspectivas, a científica e a religiosa, para
buscar a compreensão tanto daquilo que vemos como do que não vemos” (COLLINS,
2007: 14 -15).
Bioética, ética da vida, da saúde e do meio ambiente é um espaço de
diálogo transprofissional, transdisciplinar e transcultural na área da saúde e
da vida, um grito pelo resgate da dignidade da pessoa humana, dando ênfase na
qualidade de vida: proteção à vida humana e seu ambiente. Não é ética
pré-fabricada, mas um processo.
Somos
humanos, chamados a altos voos. Foi esta preocupação que a bioética foi
proposta: questionar o progresso e para onde o avanço materialista da ciência e
tecnologia estava levando a cultura ocidental, que tipo de futuro estamos
construindo e se temos algumas opções para ele.
Desde o
início, Potter usa a palavra ponte, bioética ponte, ponte entre ciências biológicas
e ética, mas como um meio para um fim, ponte para o futuro, disciplina que
guiaria a humanidade como uma ponte para o futuro.
Assim, o
objetivo da bioética é ajudar a humanidade em direção a uma participação
racional, mas cautelosa, no processo da evolução biológica e cultural.
A
Bioética é mais que debater, é fazer coisas junto uns com os outros porque é
tendo a responsabilidade de agir, de justificar as escolhas feitas ou não, de
dar razões da ação e de arcar com as consequências, que se aprende a viver
junto, que se constrói comunidade, que se pratica solidariedade, que se
exercita o acolhimento.
A tarefa
cotidiana do cultivo do acolhimento inclui uma atitude proativa de procura do
ponto ideal de encontro com o outro nos momentos de discordâncias e
enfrentamentos. O acolhimento é uma conquista no caminho em direção à
solidariedade, este laço recíproco que une pessoas como co-responsáveis pelo
bem umas das outras (BARCHIFONTAINE, 2006: 7-8).
A
instrução Donum Vitae (Dom da Vida) e
a encíclica Evangelium Vitae (O
Evangelho da Vida) são os principais documentos religiosos que fundamentam não
apenas a postura da Igreja Católica, mas também de boa parte dos estudiosos e
interessados em bioética. O primeiro, elaborado pela Pontifícia Academia para a
Vida em 1987, trata sobre o respeito à vida humana nascente. Já o segundo, foi
pronunciado pelo papa João Paulo II, em 1995, a respeito do valor e o caráter
inviolável da vida humana. A instrução Donum
Vitae, mais casuística, apresenta-se como um catecismo de bioética, com
seis perguntas breves e incisivas e suas respostas. Já em seu início, o
princípio da precaução impõe-se sobre a capacidade de avanço da ciência sobre
uma espécie de “domínio” pré-determinado:
O homem pode dispor de recursos terapêuticos mais
eficazes, pode também adquirir novos poderes sobre a vida humana em seu próprio
início e nos seus primeiros estágios, com conseqüências imprevisíveis” [..] E
ressalta ainda que com tais técnicas os homens podem “tomar em mãos o próprio
destino”, expondo-o, ao mesmo tempo, à tentação de ultrapassar os limites de um
domínio razoável sobre a natureza (DV,
I, 2:9).
Já o
texto da Evangelium Vitae, cujos pressupostos teóricos e metodológicos se
encontram na encíclica anterior Veritatis Splendor (VIDAL, 1995: 506), ainda
que não trate do problema das células-tronco quando trabalha a questão do
aborto, considera o tema da identidade do fruto da concepção, que segundo
alguns pesquisadores “ao menos até um
certo número de dias, ainda não pode ser considerado uma vida humana pessoal”
(EV 60a).
Está em jogo algo tão importante que, do ponto de
vista da obrigação moral, bastaria apenas a probabilidade de encontrar-se
diante de uma pessoa para justificar a mais rotunda proibição de qualquer
intervenção destinada a eliminar um embrião humano. Precisamente por isso, mais
além dos debates científicos e das próprias afirmações filosóficas nas quais o
Magistério não se comprometeu expressamente, a Igreja sempre ensinou que o
fruto de uma geração humana, desde o primeiro momento de sua existência, deve
ter garantido o seu respeito incondicional, que moralmente é devido ao ser
humano em sua totalidade e unidade corporal e espiritual (EV 60b).
Embora
já ressaltado o caráter autoritário e moralizador do documento, que registra
uma série de “nãos” no que se refere
à reprodução humana em laboratório e a certas intervenções terapêuticas sobre
os embriões, deve-se destacar a proibição da manipulação de embriões, em
qualquer estágio de seu desenvolvimento (ANDRÉS, 2005: 106).
O ser humano deve ser respeitado e tratado como pessoa
desde a sua concepção e, por isso, desde aquele mesmo momento devem ser-lhe
reconhecidos os direitos da pessoa, entre os quais, antes de tudo, o direito
inviolável de cada ser humano inocente à vida (DV, I, 1).
Mesmo
apesar da força de o Vaticano emitir encíclicas, todas elas seguidas à risca
pelos diferentes segmentos católicos em todo o mundo, houve pequenas, mas não
tímidas ações ao caráter conservador, fundamentalista e dogmático de tais
documentos, sobretudo quando não abrem espaço para o diálogo racional com a
comunidade científica. Vale ressaltar a crítica do moralista católico Marciano
Vidal, que foi forçado a aceitar uma notificação romana após criticar o
conteúdo da Evangelium Vitae (KUSCHEL & MIETH, s.d.):
...chama a atenção o interesse tão grande que o
presente pontificado deu aos temas morais. Pode-se falar de uma “síndrome de
moralização” dentro da consciência católica atual...
...é interessante constatar que as correntes
teológicas que mais se opõem ao uso da razão autônoma no discurso
teológico-moral e que mais se destacam a especificidade da moral cristã são
agora os que defendem a identificação entre os conteúdos da fé e os conteúdos
da razão na moral da vida humana. Acho que se deve continuar pensando a relação
entre fé e razão e tratar de resolver a ambigüidade epistemológica subjacente a
muitos documentos eclesiásticos, entre os quais temos que contar a Evangelium
Vitae...
...A carga de maior profundidade e de maior amplitude
contida na Evangelium Vitae é o juízo moral que emite sobre o sistema
democrático de nossas sociedades... surge a dificuldade sobre o procedimento
válido para conseguir esse consenso de valores, sem cair em nenhum dos dois
extremos: o “fundamentalismo” e o “niilismo axiológico”. A encíclica lançou um
desafio arriscado que postula uma forma especial de presença dos católicos na
vida pública. Conviria não se deixar levar pela “vertigem da verdade” e
favorecer assim a reedição de formas de intolerância já executadas em épocas
passadas (VIDAL, 1995: 509-510).
Além
destes documentos de cunho tradicional, emanados pelos organismos da cúria
romana ou pela doutrina pontifícia, somam-se outros pronunciamentos que foram
publicados ulteriormente. Destaca-se a Pontifícia Academia Para a Vida, criada
por João Paulo II em 1994. A entidade, que reúne 70 cientistas, tem como
objetivos discutir, formar e disseminar a doutrina e os valores católicos em
todo o mundo.
Entre os documentos publicados, há um
amplo espaço à exposição do estado atual da pesquisa correspondente, com
abundante bibliografia e atenção às questões éticas, numa abordagem condizente
com a doutrina do Magistério católico. Foram emanados um documento sobre a
clonagem e dois sobre as células-tronco. Cinco meses após a declaração sobre a
clonagem, foram publicados outros documentos sobre as células-tronco. O
primeiro é a “Declaração sobre a produção
e o uso científico e terapêutico das células estaminais embrionárias humanas”
e o segundo tem como título “Células-mãe
humanas autólogas e transferência de núcleo” (ANDRÉS, 2005: 109). O
primeiro documento, estruturado em duas partes, uma científica e outra de
caráter ético, busca delimitar a questão da identidade do embrião como pessoa:
Partindo duma completa análise biológica, o embrião
humano vivo é, a partir da fusão dos gametas, um sujeito humano com uma
identidade bem definida, que começa, a partir daquele instante, o seu próprio
desenvolvimento coordenado, contínuo e gradual, de tal forma que, em nenhuma
etapa posterior, se pode considerar como um simples aglomerado de células. Consequentemente,
como "indivíduo humano", tem direito à sua própria vida [...]. Assim,
a ablação da massa celular interna (ICM) do blastócito, que lesiona grave e
irremediavelmente o embrião humano, interrompendo a sua evolução, é um ato
gravemente imoral e, portanto, gravemente ilícito.
O
teólogo Márcio Fabri dos Anjos, sem detalhar os modelos, faz uma rápida menção
a três tendências atuais na condução do discurso teológico em bioética:
Discurso autoritativo da fé: esta
tendência parte de uma ênfase na ambigüidade humana de tal forma que “sua capacidade para conhecer a verdade fica
ofuscada, e enfraquecida sua vontade para se submeter a ela” (ANJOS apud
PESSINI, 2006: 21). Trata-se da
transformação de autoritativo em autoritário, esperando-se de autoridades
constituídas a definição cabal de conceitos e critérios.
Discurso confessional da fé: esta
tendência está presente na obra de H. Tristan Engelhardt Jr., que busca
construir consensos éticos em meio ao pluralismo cultural e argumentativo. “Se a verdade não pode irromper até nós e
pessoalmente nos dirigir, não vamos estar sempre perdidos na pluralidade de
diversas percepções morais e religiosas no sentido de não sabermos que normas
devem nos reger” (ANJOS apud PESSINI, 2006:123). Discurso argumentativo da
fé: esta tendência valoriza a força da racionalidade alimentada pela fé. Na
tendência anterior a fé é confessada e mostra-se na frente, aqui a fé fica
implícita nos argumentos que se tecem.
Todo o
esforço da bioética e da teologia tem como objetivo fazer da vida não
simplesmente uma sobrevivência, mas uma grande festa em que reine o progresso
na justiça e na dignidade, e que os pobres possam finalmente tocar com as mãos
o conteúdo da esperança.
Ponto de partida= Coragem: Equilíbrio entre Prudência e Audácia.
FONTE: Ilustração: https://www.google.com.br/search?tbm=isch&sa=1&ei=ajEHWvaNBYn8wQSs77uwAQ&q=imagem+equil%C3%ADbrio+aud%C3%A1cia+e+prud%C3%AAncia++&oq=imagem+equil%C3%ADbrio+aud%C3%A1cia+e+prud%C3%AAncia++&gs_l=psy-ab.12...41778.48854.0.50912.12.11.0.0.0.0.1638.3098.2-2j0j2j8-1.5.0....0...1.1.64.psy-ab..10.0.0....0.-MA1rDk7YgE#imgrc=oyljB0-wpX0r4M:

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