Por meio da seguinte proposição: “O tempo da evolução das referências éticas
não está em harmonia com o das construções das normas jurídicas, nem com o
avanço dos conhecimentos científicos”, afirmada pelo CCNE em seu parecer
nº. 67 de 18 de janeiro de 2001 sobre o anteprojeto de revisão das leis de
bioética pelo Parlamento francês, observa-se a forma falsamente evidente de uma
constatação: a ambiguidade da relação entre a ética (ou moral) e as ciências e
técnicas modernas.
Na maioria das sociedades democráticas,
em ritmos diversos, tem-se presenciado um apelo forte e maciço para estender a
regra do direito a domínios onde até então não se utilizava. Exerce-se com a
mesma amplidão e no mesmo grau, processos onde outrora simplesmente não se
pensava, quando os recursos de mediação e conciliação podiam apoiar-se nos
costumes, na moralidade admitida correntemente ou na prática do compromisso.
Temos, assim, a “juridicização” das
sociedades modernas (VALADIER (b), 2003: 86-87). O
aumento do poder do juiz, sem dúvida mais imaginário do que real, simbolizaria
bem esse fenômeno. Mesmo que essa “juridicização” vá em sentido único, manifestando
cegueiras inquietantes ou tenha suas zonas de sombra, é um fato comprovado que
ela parece substituir-se à impotência de nossas sociedades para regular seus
problemas, ao recorrer a uma referência moral ou falha, ou ausente, ou
demasiado diversificada para servir de norma pacificadora das tensões e dos
conflitos sociais. Some-se a isso a da multiplicação de processos, o
abarrotamento dos tribunais, exigindo a multiplicação das leis e suas
constantes reformas.
Observa-se bem quanto é ilusório sonhar
com uma harmonização das temporalidades próprias aos avanços científicos, à
ética e à moral [1], e ao
próprio direito. Diante do turbilhão de novas descobertas, parece antes
prudente não precipitar as disposições jurídicas, sob pena de desestabilizar o
aparelho do direito e chegar ao inverso das intenções: multiplicar as normas
que ninguém mais respeita por não conhecer sua lógica e sua coerência.
Embora as referências éticas evoluam
sob a pressão de numerosos fatores, não se faz evoluir os costumes e os
princípios éticos por decretos: ali ocorrem evoluções lentas e não reguladas
por alguma mão invisível. Deve-se à moral propriamente dita fornecer recursos
intelectuais de um julgamento fundado dessas evoluções, pois todas essas
evoluções não podem ser avalizadas sob pena de um conformismo que renega a
consciência moral; e, se o julgamento é delicado, impõe-se em nome dos valores
fundamentais que se resumem no respeito pela pessoa e por sua dignidade
(VALADIER (b), 2003: 120).
Construindo um “link” entre os acontecimentos passados para um acontecimento
polêmico recente, temos como exemplo do fenômeno da “juridicização” e dos
interesses envolvidos as pressões de grupos conservadores ou favoráveis, bem
como o lobby dos grupos financeiros que patrocinam a pesquisa científica; o
“processo que instituiu a Lei de Biossegurança” (lei nº. 11.105/2005), que
acabou sendo “juridicamente” decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por
meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) contrária às pesquisas
com células-tronco embrionárias no país, sob a alegação de que elas violam o
direito à vida.
Durante a votação do projeto na Câmara,
em 02/03/05, estavam presentes membros da Associação Brasileira de Distrofia
Muscular e do Movimento em Prol da Vida. Pessoas que sofrem de degeneração
progressiva do tecido muscular e familiares de portadores de doenças
neurológicas, como o mal de Parkinson e o mal de Alzheimer, além dos diabetes,
que podem ser “beneficiadas” pelas pesquisas com células-tronco, pressionando a
aprovação dessa Lei de Biossegurança.
Segundo o ex-Procurador Geral da
República, Cláudio Fonteles, tal Lei não observa a inviolabilidade do direito à
vida, porque o embrião humano é vida humana, e faz ruir o fundamento maior do
Estado democrático de direito. Com isso, uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade foi movida contra a mesma em 2005.
Os especialistas a favor da Lei
defenderam a importância das pesquisas tanto de células-tronco embrionárias
quanto das células-tronco adultas, já que cada uma apresentaria suas próprias
limitações e o estudo de ambas seria muito importante para o desenvolvimento de
novas terapias. Além disso, foi exaltado que os embriões utilizados para gerar
tais células seriam aqueles inevitavelmente descartados pelas clínicas de
fertilização in vitro.
A sugestão apontada por esses
pesquisadores para definir o início da vida deveria ser baseada no conceito
legal e vigente para a morte – definida pela interrupção de funcionamento do
cérebro. O início da vida poderia ser definido, portanto, pela data de início
da formação do sistema nervoso, a partir do 14º dia após a fecundação.
Os participantes contrários à Lei e à
utilização das células-tronco embrionárias defenderam que a vida se inicia no
momento de fecundação, e justificaram que as células-tronco embrionárias seriam
dispensáveis em virtude do potencial terapêutico das células-tronco adultas.
Essa Lei, aprovada por deputados e
sancionada pelo presidente Luis Ignácio Lula da Silva, autoriza, em seu artigo
5º para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias
obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, desde que
atendidas as seguintes condições: sejam embriões inviáveis; ou sejam embriões
congelados há três anos ou mais, a contar da data da publicação desta Lei, isto
é, após 24/3/2005, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei,
depois de completarem três anos, contados a partir da data de congelamento,
isto é, antes de 24/3/2005. Portanto,
deve-se “obedecer” o prazo de 3 anos de congelamento.
Podemos perceber que o dispositivo
determina duas condições alternativas. Assim, é permitida a utilização de
embrião humano produzido por fertilização in
vitro desde que atendidos um ou outro requisito. A lei, porém, em seu § 1º,
estabelece que em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores e
em seu § 2º determina que as instituições de pesquisa e serviços de saúde que
realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão
submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de
ética em pesquisa.
Dessa forma, como condição para a
pesquisa lícita com embriões, temos o atendimento alternativo das condições
fixadas nos incisos 1º e 2º do artigo 5º da Lei, aliado à concordância dos
genitores do embrião e à aprovação dos projetos nos comitês de ética e
pesquisa.
Parágrafo 3º - É vedada a
comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática
implica o crime tipificado no artigo 15 da Lei nº. 9.434 de 4 de fevereiro de
1.997.
Nota-se aqui, que a dignidade humana
sociologicamente está ameaçada.
Segundo o teólogo Márcio Fabri dos Anjos, a reflexão sobre a dignidade deve
evidentemente ir além do âmbito teórico para não incorrer em ingenuidades. A
partir do contexto social em que se inserem hoje as biotecnologias, verifica-se
a força dos interesses econômicos e do exercício do poder para controlar e
tirar proveito. Não se pode contar com o compromisso com a ética nos
procedimentos, embora, hoje, muitos grupos se empenhem por ela. Falsas
promessas em torno de benefícios de biotecnologias, falsificações nos
resultados de pesquisas e chantagens fazem parte deste cenário. Não bastasse
isso, há de frisar o ridículo a que se chegou com a recente lei de
biossegurança: quem quiser conhecer o dispositivo legal que rege o uso de
células embrionárias humanas deve procurar uma legislação que trata sobre
modificações genéticas de sementes na produção agrária (ANJOS, 2006: 205).
É lamentável que o Congresso Nacional
tenha aprovado o artigo 5º da Lei de Biossegurança, para a utilização de
embriões humanos, para experiências científicas.
Entretanto, não há comprovação
científica de que as células-tronco embrionárias sejam mais eficientes. Em 22
de agosto de 2005, a
imprensa divulgou que cientistas americanos da Faculdade de Medicina de Harvard
conseguiram criar uma nova célula-tronco embrionária humana a partir de uma
célula de “pele comum” isso poderia descartar a necessidade de utilização de
embriões humanos (Folha de São Paulo, 22.08.2005: A 25).
A nova
Lei de Biossegurança foi aprovada sem que se levasse em conta as premissas filosóficas e teológicas,
e as bases científicas ao tratar o embrião humano como simples coisa de
experiência científica.
Você continua escolhendo Barrabás e não percebe!
Você continua escolhendo Barrabás e não percebe!
Ante a escolha entre Cristo e Barrabás (VALAIDER (b), 2003: 88), os juristas são os primeiros a deplorar o que chamam, com um barbarismo deselegante, a juridicização das sociedades modernas. Em quase todas as sociedades democráticas, embora em ritmos diversos, assiste-se a um apelo sempre mais forte e maciço para estender a regra do direito a domínios onde até então não se encontrava para exercer-se com a mesma amplidão e no mesmo grau.
Em parte, sabe-se também que poucas
sociedades democráticas escapam à mesma juridicização. É que diante dessas
evoluções que domina mal, se é que as domina, o indivíduo sente-se
desprotegido, nu, exposto: entregue não ao matagal das leis obscuras, mas à
negligência dos peritos em matéria alimentar, farmacêutica e, sobretudo, no que
diz respeito às células-tronco embrionárias humanas, aos abusos dos
comerciantes ou dos empresários da diversão, aos riscos das técnicas diversas
que povoam o espaço cotidiano, etc (VALADIER (b), 2003: 89).
O direito deixa de ser um direito
porque não está mais firmemente fundado na dignidade inviolável da pessoa, mas
se faz dependente da vontade do mais forte. O direito perde, pois, sua
legitimidade quando não é mais a tradução da moral e da verdade do homem:
caricatura de direito que transforma o Estado de casa comum que deveria ser, em
Estado tirano. Essa extenuação do direito resulta de fato na extenuação da
democracia, apesar das aparências mantidas: Tudo parece passar-se no mais firme
respeito à legalidade, pelo menos quando as leis que permitem o aborto, as
pesquisas com células-tronco embrionárias e a eutanásia são votadas segundo as
regras pretensamente democráticas. Na realidade, estamos apenas diante de uma
trágica aparência de legalidade, e o ideal, democrático, que só é tal se
reconhece e protege a dignidade de toda pessoa humana, é traído em seus fundamentos
mesmos (VALADIER (b), 2003:100).
[1] Ética e Moral,
um dos termos vem do latim (moral) e o outro do grego (ética), ambos se
referem, de uma maneira ou de outra, ao domínio comum dos costumes. Mas, se não
há acordo quanto à relação, hierárquica ou outra, entre os dois termos, há
acordo sobre a necessidade de dispor de dois termos. Toma-se o conceito de
moral como o termo fixo de referência e atribuir-lhe uma dupla função, a de
designar, por um lado, a área das normas, ou seja, dos princípios do permitido
e do proibido, e, por outro, o sentimento de obrigação como face subjetiva da
relação de um sujeito com as normas. Toma-se o conceito de ética partindo-se em
dois, um ramo designando o que está a montante das normas – ética anterior – e
o outro ramo designando o que está a jusante delas – ética posterior.
Ética
anterior apontando para o enraizamento das normas na vida e no desejo, a ética
posterior visando a inserir as normas em situações concretas (CANTO-SPERBER, Monique,
2007: 591).
Conforme
Dicionário Houaiss temos:
Ética: no empirismo, materialismo ou positivismo, estudo dos fatores
concretos (afetivos, sociais etc.) que determinam a conduta humana em geral,
estando tal investigação voltada para a consecução de objetivos pragmáticos e
utilitários, no interesse do indivíduo e da sociedade; e conjunto de regras e
preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de
uma sociedade.
Moral: parte da filosofia que estuda o comportamento humano à luz dos valores
e prescrições que regulam a vida das sociedades; que segue princípios
socialmente aceitos; que denota bons costumes, boa conduta, segundo os
preceitos socialmente estabelecidos pela sociedade ou por determinado grupo
social; e que denota honestidade; correto.

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