Estou certo de que não se
presta nenhum serviço a uma pessoa que "vibra" com a religião
quando se esconde dela, como aliás dos demais homens, que seu destino é viver
numa época indiferente a Deus e aos profetas.
Max Weber, A ciência como vocação.
A constante publicação de documentos do Magistério
Católico e a atuação de militantes voltados ao campo da bioética com o objetivo
de publicar a pesquisa científica não pode ser vista sem uma rápida releitura
sobre o fenômeno da secularização. A visão moderna, impulsionada pelo progresso
técnico e pelo caminho sem volta do “processo
de secularização” (Para Menozzi o
termo utilizado frequentemente para indicar o processo histórico pelo qual a
sociedade e a cultura modernas se libertaram do controle religioso. O vocábulo
não goza de simpatia nos meios confessionais, sobretudo no âmbito católico,
pois seu significado envolve a prevalência da razão sobre o mágico, fazendo com
que, em última análise, o termo acoberte um desejo de fazer oposição radical à
Igreja), fizeram emergir uma nova cultura na qual a religião encontra-se cada
vez mais excluída da esfera pública. Segundo, Bellino, surge um cenário em que
a ética do caráter sagrado da vida, fundada na concepção desta como dom de Deus
e respeitadora do finalismo intrínseco natural, enfrenta a ética da qualidade
da vida, centrada na autonomia do indivíduo em seu bem-estar como objetivo
último.
Este processo recebeu grande contribuição
dos filósofos racionalistas a partir do século XIX, também conhecidos como
mestres da suspeita, que equiparavam a ação pastoral da Igreja à de uma
potência política e explicada conforme estes objetivos. O psicanalista Jurandir
da Costa Freire destaca-se as críticas à religião destes pensadores: religião
como projeção da natureza humana para Feuerbach; ópio do povo para Marx;
neurose obsessiva para Freud e por fim, Niezstche, que decretou a morte de
Deus, sendo a Igreja o seu túmulo.
Entretanto, o resultado deste processo
chegou ao auge em um crescente afastamento da influência da religião na vida
das pessoas, aliado a um constante processo científico, delimitado pelo
determinismo da técnica – conhecido também como imperativo tecnológico –
segundo o qual tudo o que pode ser feito tecnicamente será feito de uma forma
ou de outra. A nascente fantasia de um controle e melhoramento da evolução
humana, mediante a crença da racionalidade científica e no racionalismo instrumental fizeram nascer ecos como o do filósofo
Francis Bacon: (Explicando o termo utilizado, citado por Bellino, o racionalismo instrumental foi assumido
pelo pensamento moderno como um de seus principais guias. Significa seguir a
racionalidade ou a lógica dos instrumentos que produzimos; desde sua hipóstase,
pode-se predizer seu crescimento que é sinônimo de progresso; todos os outros
princípios são falsos ou poesia moralizante).
Para Bacon, que a pessoa humana recupere
seu direito sobre a natureza, que lhe compete por legado divino; que a pessoa
humana se dê o poder; a reta razão e a sadia religião governarão o seu uso.
Note-se que, na visão de Bellino, a
militância conservadora seria uma resposta da Igreja ao processo político,
cultural e social que a afasta do poder decisório, e também uma reação ao
projeto da ciência moderna de tornar os homens, conforme Descartes, bem como
precaver-se do temido mito do poder como supremo valor e norma de ação: tudo
que é possível torna-se também moralmente auspício.
De acordo com Ratzinger, ao agir político
e social do homem não pode ser concedida uma plena autonomia em relação à
religião cristã: entregue a si mesmo para a construção da cidade terrena, o
homem não pode senão enveredar pelas vias de uma crise que conduz à destruição
e dissolução da sociedade.
Conforme atesta o pensador Stuart Hall à
medida que a Igreja perdeu seu papel de Estado como formulador de políticas, à
semelhança do fenômeno que dissolve identidades políticas nacionais, a via que
reúne moralismo e ortodoxia religiosa parece ser a única saída viável, quando
questiona as mudanças que o processo de globalização acarreta às identidades
coletivas e pessoais.
Seguindo essa linha de raciocínio, numa
era em que a integração regional nos campos econômicos e políticos, e a
dissolução da soberania nacional, estão andando muito rápido na Europa
Ocidental, a crise dos regimes comunistas na Europa Ocidental e a crise da
Antiga União Soviética foram seguidos por um forte revival do nacionalismo
ético, alimentado por ideias tanto de pureza racial quanto de ortodoxia
religiosa.
Diante à crise da modernidade, diversos
segmentos eclesiais dirigidos, sobretudo no papado de João Paulo II,
esquematizaram uma nova estratégia, bem mais complexa do que a simples oposição
à modernidade, que caracterizava o antimodernismo tradicional da Igreja
Católica. Constata-se neste papado, diferentemente do anterior, uma profusão de
documentos condenatórios à ciência, às novas possibilidades trazidas pela
biotecnologia, para não falar do período em que mais a Igreja recuperou seu
conservadorismo, para não falar de sua forte influência no cenário
internacional. Mesmo porque, o mundo católico ainda se baseia no pressuposto
dos líderes da reação contrarrevolucionária: para Menozzi, não há verdadeira
civilização nem autêntica convivência humana fora da cristandade, fora de uma
sociedade onde a Igreja dite as regras e valores do viver social.
Note-se que a crítica não é mais feita em
nome dos valores da tradição, e sim em nome dos direitos humanos, que são,
hoje, pisoteados, e do bem da humanidade, vítima de catástrofe no ecossistema,
provocadas pela cobiça do homo faber, que quer dominar o mundo. Inquietudes
quanto ao presente e expectativas quanto ao futuro alimentam uma nova questão
normativa, para Hervieu-Légier, é uma necessidade de autoridade, que supera as
fronteiras dos ambientes católicos, para tornar-se uma questão ética partilhada
por toda a sociedade.
Conforme os eruditos, a questão ética se
reveste de axiomas filosóficos para tentar recolocar a ética da espécie humana
frente aos novos paradigmas advindos da prática tecnológica. Dentre estes,
destaca-se o trabalho do filósofo Jürgen Habermas, que defende ser fundamental
estabelecer uma distinção entre a dignidade humana e a dignidade da vida humana
com o objetivo de situar os riscos pelos quais passa a capacidade de
auto-compreensão do ser humano como espécie e vivência do coletivo. Para
Habermas, a dignidade humana representa uma condição moral ou jurídica que
aponta as relações entre sujeitos portadores de direito e deveres. Já a
dignidade da vida humana transcenderia os limites das práticas morais
acordadas, presente nos estágios pré-pessoais em que os indivíduos estão ainda
em formação. A preocupação do pensador alemão é saber se a tecnicização da
natureza humana altera a auto-compreensão ética da espécie de tal modo que não
possamos mais nos compreender como seres vivos eticamente livres e moralmente
iguais, orientados por normas e fundamentos.
No plano político, as modificações e
desafios da secularização, no entender de Habermas, sugerem um outro cenário
para um mundo que ele vê agora como pós-secular. Para ele, os acontecimentos de
11 de setembro tocaram uma corda religiosa no âmago da sociedade secular,
levando a um incremento do sentimento e da prática religiosos em escala
mundial. Uma reação do mesmo tipo: aquela dos tradicionalistas em face do
avanço inexorável da secularização. Quem
quiser evitar uma guerra entre civilizações precisa se lembrar da dialética
inacabada do nosso próprio processo ocidental de secularização.
A Igreja, por sua vez, levanta sua
crítica à racionalidade moderna, feita não mais por motivos defensivos, e sim
em nome das promessas da humanidade não mantidas pelo progresso, com as
características de uma contra-utopia. Contudo, o próprio determinismo
tecnológico e o poder da racionalidade instrumental precisam ser vistos numa
perspectiva reflexiva, impulsionados pela ampla capacidade dos meios de
comunicação.
Conforme aponta Martelli: a observação
atenta dos fenômenos sociais leva à conclusão de que a racionalidade
instrumental reine inconteste somente nos meios mais especializados e, no
entanto, deve conviver com uma pluralidade de formas simbólicas que lhe podem
ser reduzíveis, as quais prosperam justamente por causa da relativa autonomia que
distingue o campo cultural, caracterizado por uma crescente intensidade de
fluxos comunicativos.
Em resumo, o discurso militante e
conservador da Igreja não deve ser visto apenas dentro da ótica de um poder que
pretende reocupar um espaço perdido ou de um código religioso que planeja
avançar sua influência para além de seus domínios eclesiásticos no complexo
feixe de relações sociais. A militância neste sentido é vista por alguns como
um teísmo com funções públicas, ou seja, uma instituição que não apenas difunda
a mensagem evangélica, mas que também guarde a moral de uma dada sociedade,
valorizando os recursos de senso comum, diz Guizzardi, a fim de reunificar
linguagens especializadas e da formação de vontades coletivas nas grandes
opções da política.
A solução está em construir uma ética
voltada, de fato, ao interesse da vida que aí se encontra, como também o
próprio cosmos, e que não esteja a serviço dos interesses da comunidade
científica, dos laboratórios ou de seus oponentes, os que postulam valores
morais.
O que significa que haja limites éticos
da intervenção do ser humano na natureza, e que a sociedade deva manter-se
vigilante sobre os rumos da ciência. Não se esquecendo, sob nenhuma hipótese,
de um passado de manipulações, esterilizações e experimentos eugenistas e
racistas, ocorridos tanto na Alemanha quanto nos Estados Unidos. A esse
respeito, estudiosos da bioética, adeptos de uma reflexão autônoma dos
princípios éticos, sem as pretensões moralistas institucionalizadas, resultado
da transformação das sociedades laicas e multiculturais, admitem que os limites
dessa autonomia devem se equiparar ao monitoramento contínuo da pesquisa
científica com seres humanos. Isto é, uma conduta vigilante da ciência, uma
prudência atuante e não paralisante.
Em síntese, este debate discursivo,
repleto de estratégias discursivas desqualificatórias e repletas de imagens
vampirescas e condenações escatológicas, está mal colocado e restrito a grupos
sociais dos quais o real interesse e interessado da ciência se afasta cada vez
mais – a opinião pública e o seu ideal por uma vida digna. Afinal, só se pode
falar em dignidade da vida humana se esta possui, aqui e agora, nem antes da
história terrena ou num doce porvir, vida digna para todos.
FONTE:Ilustração:https://4.bp.blogspot.com/-JoORH4hjNHA/Vzh-
3q2nfUI/AAAAAAAABXc/qcGZJlNFrIIP_4GV6c4WsOcK1tfQ-rhXQCLcB/s400/275_5889.jpg
FONTE:Ilustração:https://www.google.com.br/search?biw=1366&bih=613&tbm=isch&sa=1&ei=W4QIWt2zAcGkwgTQ3bLgCA&q=bela+imagem+sobre+vida+digna+para+todos.&oq=bela+imagem+sobre+vida+digna+para+todos.&gs_l=psy-ab.12...197114.206216.0.208840.18.18.0.0.0.0.194.2400.0j15.15.0....0...1.1.64.psy-ab..3.0.0....0.GcsXt5HQkUA#imgrc=zZX7BLVTOwy5zM:


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