quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Derrubando Muralhas

As Frágeis Muralhas das instituições éticas e jurídicas


A tríade do pessimismo: economia arcaica, política corrupta e instituições frágeis. 











   






    A palavra “valor” é o vestígio de uma impossibilidade de nos entregarmos a uma garantia reconhecida por todos: a natureza, a razão, Deus, a História; é o vestígio de uma situação na qual todas as figuras da transcendência estão confundidas (VALADIER (a), 1997: 9-10).
    Valor, definido por Rokeach como uma crença duradoura em um modelo específico de conduta ou estado de existência, pessoalmente ou socialmente adotado, embasado em uma conduta preexistente.
      Quanto ao valor, podemos dizer que ele não é aquilo que permite que o homem viva, mas aquilo sem o qual ele não poderia viver, e que ele deve dar-se sem se fixar nele de maneira absoluta, sob a pena de negar de novo o contexto das coisas e de produzir condutas infiéis às necessidades do momento, logo da vida no futuro permanente. É, pois uma ficção necessária à vida ou à sobrevivência; está condicionado pela vontade, fraca ou forte, que o quer e que aceita ver nele a sua “criação”, ou que o nega para não ter de confessar a sua força ou a sua fraqueza (VALADIER, 1997: 77).
     Com esta afirmação o filósofo Claude Lefort  procura dizer que a referência ao conceito de valor não é nem o fruto do acaso, nem o efeito de uma moda, nem mesmo uma maneira cômoda para designar algo de outro modo. A palavra “valor” faz-nos entrar num novo espaço filosófico e teológico em que a fronteira desse domínio (filosófico/teológico) é transposta no momento em que todas as formas da transcendência se apagam. A filosofia dos valores estaria então ligada ao afastamento do divino, ou da transcendência, quer sob formas explicitamente religiosas (Deus), quer sob formas mais profanas como a razão, a história ou a natureza. Faria conjunto com uma modernidade desligada do transcendente e enviaria novamente o homem para si próprio, caso este fosse incapaz de se entregar a qualquer outra coisa que não os seus próprios recursos para orientar a sua vida, individual ou coletiva, ou para compreender o universo e o destino do mundo.
   Bastante sintomático este diagnóstico assenta-se num conjunto de postulados apresentados como sendo evidentes, tem como dado adquirido que a transcendência proporciona uma base firme aos valores, sem a qual é óbvio, os valores se desmoronam.
        Será conveniente examinar se é concebível restaurar uma filosofia da transcendência, por meio da denegação dos princípios da modernidade filosófica, e se uma tal restauração não iria senão agravar o mal, em vez de devolver uma base firme à ação e ao pensamento.       
        A grandeza do homem consiste em saber carregar o peso da realidade; em descobrir nesta prova jamais concluída os caminhos da sabedoria; em constatar que tudo o que se compreende a partir do real e que se pretenderia satisfeito, é ilusão e mentira. Em contrapartida, os valores da vida humana e os valores de quaisquer valores se revelam na tarefa sublime de interrogar permanentemente, de atingir pouco a pouco a luz, não através de um deslumbramento enganador, mas sim da descoberta maravilhosa de que no mundo existe sempre mais do que aquilo que dele aprendemos, ou que os pregadores da virtude dizem a seu respeito. Citando Paul Ramsey:  “Não deveríamos brincar de Deus antes de aprendermos a ser seres humanos; e quando aprendermos a ser seres humanos, não desejaremos brincar de Deus” (PESSINI, 2006: 55).
     Os nossos sistemas democráticos são dotados de meios institucionais para fazer respeitar suas referências morais fundamentais ou para mostrar em que ponto as novas legislações as violariam.
        Assim, deveriam constituir uma sólida muralha contra os arroubos retóricos de uns e as provocações temerárias de outros. Assistimos, há mais ou menos 20 (vinte) anos, ao estabelecimento e ao funcionamento de comitês de ética, em diversos níveis da vida da nação; e que seriam uma garantia da conformidade das decisões com nossos princípios morais essenciais.
     Com o imenso trabalho realizado em tantos lugares, é impossível avaliar e julgar a natureza das proposições feitas aos que decidem. Portanto, a luz de Paulo Valadier, limitaremo-nos às proposições do Conselho Consultivo Nacional de Ética (CCNE). Em primeiro lugar, é impressionante constatar que, no nível de sua composição interna, os técnicos e peritos profissionais dominam amplamente sobre os juristas e moralistas. Em relação às cinco personalidades representantes das “famílias filosóficas e religiosas”, o número de personalidades pertencentes ao setor da pesquisa soma quinze, a que se acrescentam dezenove personalidades qualificadas por sua competência e seu interesse em relação às questões éticas. A maioria deles é formada por peritos médicos e cientistas. Como não ver o desequilíbrio entre cinco personalidades de um lado e trinta e quatro de outro? Isso era verdade desde a constituição desse comitê, mas os limites dessa organização apareceram mais claramente com o tempo e à medida que as decisões se multiplicavam. Não só as instâncias não-técnicas são minoritárias, mas a organização do trabalho é tal que chegam muito tarde à deliberação, pois o essencial já ficou pronto em outro lugar, ou antes, de sua intervenção. Mais grave, e sem dúvida ligado a esse problema da composição, é que certos pareceres recentes testemunharam hesitações, tergiversações ou falta de clareza; o que é inquietante quando se trata de problemas realmente essenciais. Uma oscilação quando às bases fundamentais do julgamento moral só pode desacreditar uma instância, no entanto essencial. Parece de fato que uma sutil fronteira tenha sido ultrapassada em muitas ocasiões.
      A palavra “desordem” dada nesse Capítulo I foi, de um lado, para marcar que as reflexões aqui consignadas não pretendem constituir um tratado de moral em boa e devida forma, abrangendo o conjunto dos dados que teriam de ser percorridos para manter-se no nível dos desafios.

   Trata-se na verdade de falar da palavra “desordem”, sem muito nexo, ou de evocar algumas preocupações surgidas de constatações esparsas e não estritamente ordenadas da atualidade ética. Mas, de outro lado, quer também evocar uma situação bem real, que é menos a de uma confusão que a de uma desordem. Um dos efeitos dos sistemas democráticos está em que a discussão pública autoriza as mais diversas opiniões, as mais contrastadas (o que pode ser um bem), mas também com isso põe em pé de igualdade o pró e o contra, legitimando assim as opiniões mais fantasistas, e mesmo as mais aberrantes (o que tem consequências relativistas temíveis). Nesse sentido, a democracia pluralista é desestabilizadora no nível mais radical, provocando o sentido comum e tornando muitas vezes vão um debate pelas ciladas dos demagogos ou dos sofistas, que nem sempre se consegue distinguir dos protagonistas sérios. Ora, como se verá, não somente no nível da opinião pública, mas no nível filosófico, desenvolvem-se argumentações que organizam de algum modo essa desordem no plano do pensamento: por exemplo, é razoável falar de pessoa para todo ser humano?



FONTE: Ilustração: https://www.google.com.br/search?biw=1366&bih=613&tbm=isch&sa=1&ei=YmL3Wa-CE4yMwgSJ6ZroDw&q=fotos++As+Fr%C3%A1geis+Muralhas+das+Institui%C3%A7%C3%B5es&oq=fotos++As+Fr%C3%A1geis+Muralhas+das+Institui%C3%A7%C3%B5es&gs_l=psy-ab.12...76400.90761.0.93201.26.25.1.0.0.0.318.3380.0j19j2j1.22.0....0...1.1.64.psy-ab..3.0.0....0.GqW0qJX0lCI#imgrc=VJr5B94KUUQj0M:


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